A evolução da Lei do Divórcio no Brasil

Lei do Divórcio: casal se divorciando
Lei do Divórcio — O que mudou em 45 anos no Brasil?

Um em cada três casamentos no Brasil termina em separação, revela o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os dados são um reflexo das facilidades de dissolução desse tipo de sociedade trazidas pela Lei do Divórcio (nº 6.515/77), que completará 45 anos no país em dezembro de 2022.

Neste artigo, vamos recapitular as principais alterações em relação à lei do Divórcio. Assim, vamos mostrar as principais alterações nesse tema ao longo dos anos, para que você compreenda sua progressão histórica!

Evolução da lei do Divórcio no Brasil

As últimas estatísticas do Registro Civil do IBGE mostram que o Brasil registrou 750.746 casamentos civis em 2020. No mesmo período, foram registrados 331,2 mil divórcios em 1ª instância ou por escrituras extrajudiciais — o menor número desde 2015, com queda de 13,6%.

Na comparação com os dados de 1984, percebemos que houve apenas 93.384 pedidos de divórcio na época. Os dados apontam uma grande mudança em quatro décadas. 

Lei do Divórcio: Foto do prof. João Aguirre

Antes da Lei do Divórcio, o casamento era pautado pelo vínculo indissolúvel. As pessoas casavam e ficavam atadas até o fim da vida a essa relação”, relata o advogado e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família em São Paulo (IBDFAM-SP), João Aguirre, especialista em Direito Processual Civil.

Aguirre, que também é professor da LFG, lembra que antes a lei fechava os olhos para a realidade social. 

Tem casamento que não chega até o fim da vida, mas a lei só permitia o desquite. A pessoa não podia se casar de novo. O divórcio foi uma luta de muitos anos no Brasil”, conta o professor.

O que é o divórcio?

O divórcio é o rompimento legal e definitivo do vínculo do casamento civil. Esse tipo de separação foi instituído oficialmente no Brasil com a aprovação da Emenda Constitucional nº 9, de 28 de junho de 1977.

A emenda foi apresentada pelo senador Nelson Carneiro (MDB-RJ), mas causou reações fortes no país.

Qual é a Lei do Divórcio?

A Emenda Constitucional nº 9 de 1977, por sua vez, foi regulamentada pela Lei nº 6.515 (de 26 de dezembro do mesmo ano), também conhecida como a Lei do Divórcio.

O professor Aguirre relata que havia muita resistência, principalmente por parte das bancadas religiosas, que argumentavam que a medida acabava com a instituição familiar.

Contudo, as mudanças foram necessárias de forma a diminuir a intervenção do Estado na vida dos cidadãos, seguindo o fluxo do Estado Democrático de Direito.

Como era uma lei que mudava radicalmente a estrutura da sociedade, havia reação dos mais conservadores”, recorda o professor Aguirre. Foram 26 anos de debates até a aprovação da nova legislação pelo Congresso Nacional.

Quem foi a primeira mulher a se divorciar no Brasil?

Os avanços da Lei do Divórcio em seus 45 anos foram comemorados pela juíza de paz Arethuza Figueiredo Henrique Silva de Aguiar. Ela foi a primeira mulher a se divorciar no Brasil, no dia 29 de dezembro de 1977, três dias depois da entrada em vigor da Lei nº 6.515. 

Lei do Divórcio: foto da primeira mulher a se divorciar no Brasil

A juíza e seu ex-marido foram ao cartório, em Niterói, e solicitaram a conversão do até então desquite em divórcio. A homologação do pedido foi obtida em um dia.

Hoje com 82 anos, a juíza diz que ninguém deve ficar em um casamento infeliz, nem pelos filhos. Ela casou em 1963 incentivada pela mãe, que não queria que a filha ficasse solteira.

Na época, Arethuza tinha 23 anos e enfrentava o preconceito da sociedade, que pregava que a mulher tinha que se casar cedo para formar uma família. A juíza conta que se considera uma “divorcista ferrenha” e que nunca se deixou ser desrespeitada por isso.

Leia também: A evolução dos direitos das mulheres

Antigamente, como funcionavam a separação e o divórcio?

A separação consensual só podia ser decretada após dois anos de casamento, nos termos do art. 4º da Lei do Divórcio, com pedido homologado pelo juiz. Havia também a possibilidade de se pedir a separação litigiosa. Mas tanto a separação na justiça quanto a consensual não acabavam com o casamento.

Era necessário o divórcio, que só poderia ser pedido no mínimo após três anos da separação judicial, nos termos do art. 25 da Lei nº 6.515/77. 

Esse artigo estabeleceu a modalidade de divórcio-conversão. Isto é, depois de separado judicialmente por três anos, o casal poderia requerer a conversão da separação em divórcio.

Abria também a possibilidade do divórcio direto, mas somente para os casais separados de fato há mais de cinco anos em 28 de junho de 1977. O divórcio só era permitido uma única vez.

O presidente do IBDFAM-SP, Rodrigo da Cunha Pereira, diz ainda que não há dúvidas sobre a separação judicial. “Esta modalidade não existe mais, é impossível de pedi-la, e aquelas que estão em andamento podem ser convertidas diretamente para o divórcio, independentemente do período.”

A Constituição Federal de 1988, em sua redação original, também havia diminuído os prazos para pedido de divórcio:

  • Divórcio indireto — após um ano da separação judicial;
  • Divórcio direto — após dois anos da separação de fato.

No entanto, esse regime também se alterou com a Emenda Constitucional nº 66 de 2010.

Simplificação com pedido pelo cartório

Outro avanço do processo de separação legal no Brasil foi a Lei nº 11.441, de 4 de janeiro de 2007. A legislação possibilitou que o divórcio e a separação consensuais pudessem ser requeridos em cartório, sem a necessidade de recorrer à justiça.

Mas essa facilidade é somente para casos em que as partes concordam com a separação e não estão contestando nada. Mas se houver filhos menores de idade ou incapazes, o pedido terá de passar pelo juiz, que avaliará os direitos das crianças com o processo de divórcio.

Nesses casos o juiz terá que avaliar, por exemplo:

  • A fixação de guarda,
  • Regulamentação de visitas;
  • Pensão alimentícia.

No caso da pensão alimentícia, poderá ser fixada também, a depender do caso, para um dos cônjuges. Isso ocorre em casos de dependência econômica ou doença grave, por exemplo.

Além disso, o Juiz terá que analisar também a partilha dos bens do casal a depender do regime de casamento, assunto dos próximos tópicos.

Emenda Constitucional nº 66 de 2010: Divórcio sem prévia separação

Em 2010, mais uma medida facilitou os pedidos de divórcio. Foi a aprovação da chamada Emenda Constitucional nº 66 de 2010 — apelidada de Emenda do Divórcio

Atualmente, o divórcio pode ser concedido sem prévia separação. As pessoas não precisam mais se separar e esperar determinado tempo para se divorciar, tampouco precisam da autorização ou consentimento do outro cônjuge para tomar tal medida.

Elas podem se casar hoje e se divorciar amanhã. É uma grande evolução, considerando que a possibilidade de divórcio no Brasil era uma negação total”, avalia Aguirre. Para o professor, “não se deve obrigar as pessoas a viver juntas se elas não quiserem mais”.

Como se divorciar em 2022?

Divorciar-se em 2022 envolve procedimentos muito mais simples do que antigamente. O divórcio não precisa nem passar pelo Juiz em alguns casos, que explicaremos logo a seguir.

Como já explicado anteriormente, o divórcio pode se dar de duas maneiras: 

  1. Pela via administrativa (extrajudicial).
  2. Pela via judicial;

O que diferencia uma opção da outra é a existência ou não de litígio e de filhos menores e/ou incapazes (que precisem de curatela após maioridade).

1. Divórcio consensual — realizado em cartório

Assim, quando há consenso e não há filhos menores ou incapazes, é possível que o divórcio aconteça no cartório. Para isso, as partes precisarão de:

  • Um advogado, que poderá representar uma ou ambas as partes e;
  • Os documentos necessários para o pedido, tais como:
    • Certidão de Casamento;
    • Comprovante de residência;
    • Escritura de Pacto Antenupcial, se houver e outros.

Caso haja bens em comum (aqueles adquiridos na constância do casamento), será necessário também que as partes apresentem a listagem de todos os bens, juntamente com a documentação, para que sejam emitidos os respectivos tributos. Esses bens serão divididos entre os cônjuges, a depender do regime de casamento firmado.

Definição de alimentos

Mesmo que o divórcio se dê na via cartorária, é possível definir se haverá ou não o pagamento de alimentos a uma das partes. 

Mas vale aqui uma ressalva: para que o divórcio possa se realizar pela via extrajudicial, a mulher não pode estar grávida, ou pelo menos não pode ter conhecimento da gravidez – tudo isso para que os direitos da criança sejam assegurados.

Após a conferência de todos os documentos e pagamento dos tributos, o cartório irá marcar uma data para que as partes possam assinar a referida Escritura Pública de Divórcio. Ela produz efeitos imediatos, sem necessidade de homologação judicial.

2. Divórcio judicial

Já o divórcio judicial ocorre quando houver divergência entre os cônjuges e também quando houver filhos menores e/ou incapazes, uma vez que será necessária a definição de pensão alimentícia, guarda e regulamentação de visitas, bem como a partilha de bens. 

Nesse caso, será necessária a propositura de ação judicial em uma Vara de Família, ou outra competente para julgar o litígio.

É importante salientar o seguinte: no que tange à partilha de bens, caso as partes não cheguem em um acordo no curso do processo de divórcio, é possível que esse assunto seja discutido posteriormente, em autos apartados.

 Aqui vale outra ressalva: não é obrigatório que a partilha de bens seja igualitária. Os cônjuges podem defini-la da forma como acharem melhor.

O processo judicial será finalizado quando todos os trâmites legais forem cumpridos. Importante lembrar que o Mandado de Averbação do divórcio deve ser lavrado em cartório para que ganhe a publicidade necessária exigida pela lei e, assim, surta seus efeitos perante terceiros.

Quais são os regimes de casamento existentes hoje no Brasil?

Há no ordenamento jurídico brasileiro quatro modelos de regimes de bens para que os nubentes possam escolher, a saber:

  • Regime de comunhão parcial de bens;
  • Regime de comunhão universal de bens;
  • Regime de Participação Final nos Aquestos e;
  • Regime de Separação de Bens.

Vamos comentar, aqui, sobre os dois regimes mais utilizados!

1. Comunhão parcial de bens

Atualmente, é o regime mais adotado nos casamentos no Brasil.

Conforme dispõe o Código Civil em seu artigo 1.658, considera-se Comunhão Parcial de Bens o regime de casamento onde somente os bens adquiridos na constância do casamento são considerados bens comuns do casal.

Exceções

Contudo, existem algumas exceções, a saber:

  1. Os bens adquiridos antes do casamento e os que forem adquiridos após, a partir do valor proveniente dos bens particulares;
  2. Os bens doados e herdados;
  3. As obrigações anteriores ao casamento;
  4. Bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;
  5. Proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;
  6. Pensões e outras rendas semelhantes.

O artigo 1.660 do Código Civil elenca, em rol taxativo, os bens que entram na comunhão, tais como:

  • Bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso;
  • Bens adquiridos por fato eventual, como sorteios e loterias;
  • Doações especificamente em favor de ambos, entre outros.

Nos casos de união estável e, não optando o casal por registrar em cartório essa condição, será aplicado o regime de comunhão parcial (art. 1.725, CC).

2. Comunhão Universal de Bens

Esse regime está disposto no artigo 1.667 do Código Civil. Prevê a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges, inclusive suas dívidas, salvo algumas exceções dispostas no artigo 1.668 e seus incisos.

Quando é obrigatório o regime de separação total de bens?

O Código Civil (art.1.641) prevê que, em algumas hipóteses definidas na lei, será obrigatório que o regime de bens do casal seja o da separação total (artigo 1.687 e 1.688, CC), não havendo poder de escolha dos nubentes. São elas:

  1. Quando pessoas contraírem o casamento com inobservância das causas suspensivas de sua celebração;
  2. Quando o casamento envolver pessoa maior de 70 anos;
  3. Em todos os casos em que há dependência, para casar, de suprimento judicial.

Quando o pacto antenupcial passou a ser exigido?

Diferente do que a maioria das pessoas pensa, o pacto antenupcial pode abarcar diversas questões e não somente a resolução de assuntos concernentes à separação de bens.

Tal prática é obrigatória sempre que o regime escolhido pelo casal for diferente do Regime de comunhão parcial – por isso essa é a opção mais escolhida pelos casais, por ser menos burocrática e mais justa para os envolvidos.

O que é o pacto antenupcial?

O pacto antenupcial é um contrato elaborado anteriormente ao casamento, onde são determinadas regras entre os noivos. tais como:

  • Normas de convivência;
  • Previsão de alimentos;
  • Planejamento familiar;
  • Questões atinentes à separação, etc.

É um documento totalmente adaptado e individualizado para o casal. Esse assunto está disposto no artigo 1.653 e seguintes do Código Civil.

Um exemplo onde o referido contrato pode facilitar a vida dos cônjuges é quando uma das partes é empresário e corriqueiramente precisa da anuência do outro para assinar documentos. Isso pode ser estabelecido no contrato, onde a anuência pode ser dispensada. 

Para que o documento tenha validade e eficácia perante terceiros, ele deve ser lavrado em Cartório de Registro Civil (no mesmo onde o casamento será realizado) e no Cartório de Notas — onde as partes possuam bens.

O modelo de família e de casamento evoluíram muito desde 1977, uma vez que os valores da sociedade também mudaram. Não utilizamos a mesma estrutura de décadas atrás.

Hoje, a afetividade passou a ser o principal elo entre os envolvidos, deixando de lado questões exclusivamente econômicas e sucessórias. O matrimônio civil pode ser realizado tanto por homens e mulheres quanto por casais do mesmo gênero (permitido no Brasil desde 2013, por meio da Resolução nº 175, do CNJ).

Assim, legislações como a Lei do Divórcio precisam acompanhar as novas tendências da sociedade.

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