Impactos da nova lei que altera normas do direito brasileiro

Impactos da nova lei que altera normas do direito brasileiro
Impactos da nova lei que altera normas do direito brasileiro

Depois de muitas críticas e sugestões de diversas entidades, entrou em vigor, no último 25 de abril, a lei nº 13.655/2018, que altera a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB). A nova regulamentação vem com a proposta de aumentar a segurança jurídica e eficiência na criação e aplicação do direito público.

Ao analisar a lei nº 13.655/2018, os professores da LFG Pablo Stolze (juiz de Direito do Tribunal de Justiça da Bahia) e Salomão Viana (juiz federal na Seção Judiciária da Bahia) comentam sobre o impacto da medida no dia a dia dos magistrados.

Veja a seguir a entrevista que ambos concederam ao Blog Acontece sobre o tema e as recomendações deles para os concurseiros nos estudos desse assunto para as provas de concursos públicos. Confira:


Qual a avaliação de vocês, como professores e juízes, sobre a Lei n. 13.655/2018, sancionada no final do mês de abril, que alterou a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB)?

O que de logo chama a atenção é a constatação de que os 11 artigos que a lei nº 13.655/2018 acrescentou à LINDB poderiam, perfeitamente, corresponder ao conteúdo de uma lei isolada. Contudo, optou-se por inserir tais artigos num diploma legal já existente.

No caso, o diploma legal alterado é um dos mais importantes do sistema jurídico: a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Trata-se de um diploma legal do qual se extraem normas que são consideradas integrantes de um chamado “superdireito”.

Há, portanto, uma importantíssima opção político-legislativa contida no fato de a lei nº 13.655/2018 ser um diploma alterador e não um diploma legal autônomo. Isso, por si só, é suficiente para se perceber que as normas extraídas dos textos dos novos artigos devem ser recebidas como normas que, apesar de infraconstitucionais, estão acima do universo normativo que se colhe dos textos dos diplomas infraconstitucionais de um modo geral.

Essa constatação dispara um alerta no intérprete no momento em que ele se depara, de um lado, com dispositivos que trazem regras de concretização do Estado Democrático de Direito e, de outro, com uma profusão de expressões que contêm conceitos jurídicos indeterminados, indevidamente vinculadas a uma previsão, contida no novo art. 28, de responsabilidade pessoal do agente público por suas decisões ou opiniões técnicas, “em caso de dolo ou erro grosseiro”.


Quais os aspectos da nova lei que podem ser considerados mais polêmicos?

Sem qualquer dúvida, o centro da polêmica está na inserção, na LINDB, do art. 28, que, não por acaso, teve três parágrafos vetados e que é exatamente aquele que alude à responsabilidade pessoal do agente público por suas decisões ou opiniões técnicas.

Esse dispositivo esparge efeitos para quase todos os outros dez novos dispositivos, uma vez que, em vários dos outros artigos, há alusões a deveres do agente público, o que resulta por vincular o que eventualmente venha a ser considerado descumprimento de tais deveres com a responsabilização pessoal do agente.

É sempre importante lembrar que a referência a agentes públicos inclui os membros da magistratura.


Qual o motivo do realce aos membros da magistratura?

Um exemplo pode ser útil. De acordo com o novo art. 21 da LINDB, a decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas.

Trata-se de dever imposto ao agente do ato decisório. Imagine-se que, no cumprimento desse dever, o magistrado, apesar de haver se referido a várias outras, não insira, na decisão, uma determinada consequência administrativa que tenha escapado à sua capacidade de previsão,e que outros agentes considerem tratar-se de consequência grave.

O magistrado, num caso desse, não estará, em tese, livre de uma tentativa de imposição de responsabilização pessoal, sob a alegação de que teria ele cometido erro grosseiro. É preciso questionar – e esse questionamento deve ser fortemente lançado, sob o ponto de vista da constitucionalidade da nova lei, nesse específico aspecto – até que ponto uma previsão normativa dessa ordem é capaz de produzir, como efeito colateral, uma inibição da atuação do Poder Judiciário.

É que seus agentes – seres humanos que são, diante de duas decisões possíveis, uma de acolhimento e outra de rejeição do pedido, podem ser induzidos, pelo risco de responsabilização pessoal, a adotar o caminho menos arriscado, ante a impossibilidade de prever todas as consequências práticas de uma decisão em outro sentido. Não se pode exigir dos magistrados poderes que são somente dos adivinhos e das pitonisas da antiguidade.


Uma previsão desse tipo gera desequilíbrio entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário?

É exatamente esse o centro. Trata-se de um dispositivo, o art. 28, que desiguala a responsabilização dos agentes políticos dos Poderes da República.

O nó está na equiparação, sob o ponto de vista da responsabilização pessoal, entre a decisão judicial, que é ato praticado por agente político de um Poder da República, e a decisão administrativa, que, no geral, é protagonizada por agentes públicos que não são agentes políticos de Poder.

Percebe-se. Um parlamentar que, nas suas manifestações no plenário das casas do Congresso Nacional, ou mesmo ao apresentar um projeto de lei, cometer o que, aos olhos de outros agentes, seria um erro grosseiro, estará acobertado pela imunidade parlamentar, que é prerrogativa indispensável, num Estado Democrático de Direito, para o exercício das suas funções institucionais.

Não existe, e se existisse seria inconstitucional, texto legal que aluda expressamente à possibilidade de responsabilização pessoal do parlamentar num caso desse.

Dê sua vez, o membro do Poder Executivo que fizer uma opção que, aos olhos de outros agentes, é grosseiramente equivocada, consistente em destinar recursos financeiros para determinado setor, e não para outro, evidentemente mais carente, estará atuando sob o pálio da sua prerrogativa de definir as políticas públicas que entende prioritárias.

Não se pode apenar – pode-se, no máximo, criticar politicamente o administrador que opta por reformar um prédio em que funciona uma repartição pública, em vez de destinar recursos para incremento das atividades de fiscalização do cumprimento de normas de proteção ao meio ambiente.

Se assim é com os agentes políticos dos Poderes Legislativo e Executivo, não pode ser diferente com os membros do Poder Judiciário. A criação de um clima de limitação à prerrogativa de decidir de acordo com a convicção a respeito de qual seja o Direito aplicável ao caso malfere um dos pilares do Estado Democrático de Direito. O juiz não pode ficar exposto a instrumentos de inibição ao exercício de suas funções institucionais.

O risco de outros agentes considerarem que o juiz cometeu erro grosseiro, do que seria possível extrair uma responsabilização pessoal do magistrado, é fator de inibição ao exercício da atividade jurisdicional. E, em razão disso, a norma que contiver tal previsão não pode ser albergada pelo sistema jurídico.

E, só para complementar, vale a pena observar um detalhe. A LINDB é uma lei diferenciada. Dentre outros aspectos que podemos chamar de reveladores da “superioridade” da LINDB, está o fato de que ela regula a vigência e a eficácia das normas jurídicas, apresenta soluções para casos de conflitos ou colisões entre normas e disciplina mecanismos de integração normativa.

Pois bem. Implantou-se, num diploma legal com tais características, um dispositivo que fala em responsabilização pessoal do agente público. Salta aos olhos que há uma falta de pertinência entre tal dispositivo e a função política da LINDB.

Trata-se, a rigor, de dispositivo que empobrece, amesquinha a função política da LINDB. É possível mesmo questionar a adequação de tal dispositivo à norma que se colhe do texto do art. 7º, II, da Lei Complementar nº 95/1998, que impede que uma lei contenha matéria estranha a seu objeto ou que a este não seja vinculada por afinidade, pertinência ou conexão.


E o que acontecerá, se, na decisão judicial, não houver a previsão de determinada consequência prática e a consequência for gerada?

Está aí um belo problema. O ato judicial, como todo ato jurídico, deve ser examinado nos planos da existência, da validade e da eficácia. Quanto à existência, nenhum questionamento pode ser feito numa situação dessa.

No que toca à validade, não é possível imputar defeito a um ato que, à época da sua prática, tenha atendido às exigências formais para preenchimento da sua estrutura executiva. Assim, considerando que o surgimento de determinada consequência prática, não prevista, é evento posterior à prática do ato, a sua ocorrência não pode implicar invalidação.

Resta a análise do ato decisório no plano da eficácia. E a solução para a questão não está pronta. O que fazer? Reputar-se-á ineficaz a decisão, no que se refere àquela específica consequência prática, já que não foi ela prevista? E se a consequência prática revelar-se consectário lógico e inevitável da decisão? Então haverá contenção de toda a eficácia do ato decisório, em razão de se constatar, depois, que tal consequência será produzida? Esses são apenas alguns dos questionamentos.


Quais os reflexos da nova lei no dia a dia do juiz?

Abstraídos os aspectos em que a nova lei é profundamente questionável, o magistrado, em razão do novo conteúdo da LINDB, deverá, mais do que nunca, estar atento para as consequências práticas da sua decisão.

Mais do que isso, deverá demonstrar, na própria decisão, que avaliou adequadamente tais consequências. Pode-se até dizer que, agora, o chamado “consequencialismo” passou a integrar a vida dos magistrados e dos agentes de atos decisórios no âmbito administrativo e na atividade de controladoria.

Não vemos razão, a priori, para que se rejeite esse tipo de “consequencialismo”, já que, por meio dele, os agentes dos atos decisórios cumprirão, frente à sociedade, o dever de deixar claro que fizeram um exercício adequado, quanto à previsão dos reflexos práticos das suas decisões. Porém, as exigências quanto à completude desse exercício devem estar, por óbvio, dentro dos limites do possível e, no que toca ao Poder Judiciário, devem respeitar as prerrogativas que cercam a prática do ato de decidir.

Trata-se, em verdade, desde que mantida a interpretação dentro do estrito campo da reverência à Constituição, de um dever que é reflexo direto do Estado Democrático de Direito.

Desse contexto, advirá um efeito prático importante para a rotina na produção de decisões, mormente de decisões judiciais, e – esse, sim! –, trata-se de um efeito prático desejável: se o julgador se deparar com um quadro em que for possível mais de uma interpretação, a decisão a ser proferida deverá trilhar o caminho interpretativo que melhor acomode as diversas forças que estiverem em oposição umas às outras.

Com isso, deverá ser escolhida, pelo julgador, a interpretação que melhor evitará, de um lado, prejuízos aos interesses gerais e, de outro, a imposição de ônus ou perdas anormais ou excessivos para determinados sujeitos.


Como as mudanças decorrentes desta lei poderão ser cobradas nos concursos públicos?

Como dissemos, a lei nº 13.655/2018 acrescentou, à LINDB, 11 novos artigos. A inserção desses dispositivos num diploma legal que se situa no campo do chamado “superdireito” exige de todos os operadores do Direito que dediquem uma atenção especial ao conjunto normativo deles extraível.

Se assim é, trata-se de tema que pode – mais do que pode, deve, sim, ser explorado na elaboração de quesitos em provas de concurso público.

Imagina-se uma prova objetiva em que o enunciado do quesito seja redigido de modo a seduzir o candidato a raciocinar de forma a que a sua atenção seja voltada para a proteção de determinado direito fundamental e, entre as possíveis opções, esteja uma que dê a impressão de que a decisão (judicial, administrativa ou controladora) a ser proferida deve sofrer limites em decorrência de possíveis efeitos práticos negativos, de natureza extraprocessual, dela decorrentes.

A resposta a um quesito desse exige conhecimento da LINDB, à luz da sua nova redação e sempre com atenção aos preceitos constitucionais assecuratórios do equilíbrio entre os Poderes.

A mesma situação pode ser cobrada numa prova subjetiva, em que o quesito exija a elaboração de uma sentença, de um recurso, de um parecer ou de uma decisão administrativa, por exemplo.

O tema também pode surgir num quadro que diga respeito ao conteúdo de uma petição inicial ou de uma contestação numa Ação Civil Pública.

Assim, trata-se de tema intimamente relacionado aos mais diversos concursos públicos, em especial os certames para a magistratura, para o Ministério Público, para a advocacia pública, para a Defensoria Pública, para os Tribunais de Contas e para órgãos de controladoria.


Que dica vocês dão aos concurseiros, no que se refere a estudos que envolvam esse tema?

Se observarmos bem, há um campo vasto para exploração das alterações da LINDB em concursos públicos, sendo que os seus maiores reflexos estão nos campos do Direito Constitucional, do Direito Administrativo, do Direito Civil e do Direito Processual Civil.

Assim, de agora para adiante, a LINDB, mais do que antes, deve estar na mente de quem está estudando para concurso. Especial atenção deve ser dada quanto aos estudos que envolvam, dentre muitos outros, temas como:

– Equilíbrio entre os Poderes;

– Prerrogativas dos membros do Poder Judiciário no que toca ao ato de decidir;

– Efetivação de direitos fundamentais;

– Fundamentação de atos administrativos;

– Interpretação de normas sobre gestão pública;

– Controle judicial ou administrativo de atos,

– Contratos, ajustes, processos ou normas administrativas; improbidade administrativa;

– Responsabilidade civil do Estado-Juiz;


– Responsabilidade civil do agente público frente à administração, em razão de suas decisões ou opiniões técnicas; 

– Responsabilidade civil do juiz;

– Ação popular;

– Ação civil pública;

– Negócio jurídico processual celebrado pela Fazenda Pública, tendo por objeto a prevenção ou a regulação de compensação por benefícios indevidos ou prejuízos anormais ou injustos, resultantes do processo ou da conduta dos envolvidos;

– Fundamentação das decisões judiciais;

– Decisões judiciais estruturantes.


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