Por Marcelo Tadeu Cometti
O direito sobre uma marca permite, de um lado, ao empresário ter seus produtos ou serviços reconhecidos pelo mercado; e, de outro, possibilita ao consumidor ter certo grau de segurança acerca das características do produto ou serviço que adquire.
No entanto, o direito à exclusividade no uso de uma determinada marca, conferido ao seu titular pelo INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial, não é absoluto. Limita-se ao ramo de atividade a ser explorado pelo seu titular, mais especificamente à classe de produto ou de serviço em que o signo distintivo, visualmente perceptível, será registrado.
Por esta razão, quando um empresário requer a proteção a sua marca, precisa determinar quais são os bens e serviços por ele realizados (e que deverão ser assinalados pelo signo que se pretende registrar como marca), pois esta proteção estará vinculada apenas a estes determinados produtos e serviços ou a outros semelhantes e afins, ou seja, em situação de concorrência.
PRINCÍPIO DA ESPECIFICIDADE OU ESPECIALIDADE
Trata-se do princípio da especificidade ou especialidade da marca que busca assegurar que não ocorrerá confusão junto ao consumidor, porque marcas semelhantes não poderão coexistir pacificamente em produtos mercadologicamente associados. Como reflexo temos a garantia de que a limitação imposta pelo titular do registro aos demais empresários será restrita à sua área de atuação.
MARCAS DE ALTO RENOME
Por outro lado, existem marcas chamadas “marcas de alto renome”, cuja força perante o consumidor é tamanha e cuja participação no mercado é tão diversificada que, quando for realizado depósito de outra marca semelhante, mesmo que para assinalar um produto ou serviço não oferecido pelo empresário “de alto renome”, dará ensejo a confusão junto ao consumidor.
Neste caso, a aplicação do princípio da especialidade causaria uma distorção, uma vez que, ao invés de proteger o consumidor e garantir a distintividade da marca, permitiria o registro, ou seja, a proteção a uma marca, que seria indevidamente associada a outro empresário que não o seu titular.
Desta maneira, os casos de marcas de alto renome são muito particulares, implicando na desconsideração do princípio da especialidade através da ficção de que estas marcas estariam protegidas em todas as classes de atividade, conforme a redação do artigo 125 da LPI.
Desta maneira, o alto renome constitui uma importante exceção ao princípio da especialidade, pois se confere a ela uma proteção além do ramo de atividade em que se encontra registrada.
RECONHECIMENTO DAS MARCAS DE ALTO RENOME
Vale ressaltar que as marcas de alto renome são uma exceção e, portanto, o alto renome só poderia ser reconhecido em situações especialíssimas, em que uma marca tenha se tornado tão presente na cabeça dos consumidores, independentemente de tais consumidores serem o público para o qual esta marca se destina.
Assim, se o direito de um titular sobre um signo exclui seu uso por terceiros, e se, nos casos de alto renome, esta exclusão é absoluta, na medida em que produz efeitos em todos os ramos econômicos, o reconhecimento do alto renome de uma marca só poderia ocorrer em condições excepcionais, sob pena de uma expansão indevida do direito de monopólio.
PROTEÇÃO AO ALTO RENOME
A proteção ao alto renome depende, entretanto de previsão para tanto no sistema jurídico de cada Estado, caso contrário, não se poderia flexibilizar o princípio da especialidade em prol da transcendência econômica da marca de alto renome.
O alto renome não recebe um tratamento uniforme nos diferentes sistemas de proteção à propriedade intelectual; na realidade, os sistemas tradicionais são muito limitados quando o assunto é a proteção de uma marca além de sua função de indicação de procedência.
A primeira ocasião em que se considerou a possibilidade de confusão caso se permitisse a coexistência de marcas para assinalar produtos diferentes ocorreu no Reino Unido, em 1898, quando se proibiu o uso da marca KODAK para identificar bicicletas. Pela primeira vez na história houve a flexibilização do princípio da especialidade tendo em vista o risco de confusão gerado pela reputação da marca KODAK, originalmente usada para identificar produtos ligados ao ramo da fotografia.
O alto renome passou a ser regulamentado tendo em vista interesses para tanto, mas, até o momento, sua proteção é um dos temas menos harmonizados no plano internacional e é regulada conforme o sistema jurídico de cada país.
O ordenamento brasileiro integrou a noção de alto renome ao direito marcário desde que passou a regular a questão, a partir do Código de Propriedade Industrial de 1967, quando se estabeleceu que os titulares de marcas de alto renome deveriam se manifestar tempestivamente contra marcas que imitassem ou reproduzissem suas marcas e que houvesse risco de confusão no mercado.
O atual artigo 125 da LPI estabelece, conforme já tratado, proteção para a marca de alto renome em todos os ramos de atividade, sem, contudo, conceituar este “alto renome”, tarefa esta que foi delegada ao INPI na medida em que este instituto precisou criar parâmetros para a análise por seus examinadores.
Nesta finalidade, a Presidência do INPI promulgou a Resolução nº121/2005 cuja finalidade é, de acordo com seu artigo 1º, normalizar “os procedimentos para a aplicação do artigo 125 da Lei nº 9.279, de 14 de 1996”.
Esta Resolução conceitua marca de alto renome como sendo “a marca que goza de uma autoridade incontestável, de um conhecimento e prestígio diferidos, resultantes da sua tradição e qualificação no mercado e da qualidade e confiança que inspira, vinculadas, essencialmente, à boa imagem dos produtos ou serviços a que se aplica, exercendo um acentuado magnetismo, uma extraordinária força atrativa sobre o público em geral, indistintamente, elevando-se sobre os diferentes mercados e transcendendo a função a que se prestava primitivamente, projetando-se apta a atrair clientela pela sua simples presença”.
A análise do artigo 2 da Resolução 121 leva à conclusão de que o INPI adotou a concepção de marca de alto renome como aquela composta por dois fatores: o prestígio advindo da qualidade de seus produtos e a transcendência da função a que se destinava originalmente.
Esta resolução disciplina o modo como se dá a concessão da proteção especial conferida à marca de alto renome, estabelecendo que esta deve ser requerida de maneira incidental como matéria de defesa em oposições e processos administrativos de nulidade contra marcas de terceiro que a imitem ou reproduzam.
Ao tratar da comprovação do alto renome, traz uma lista de elementos informativos que podem ser usados como provas do alto renome da marca, tais como a data de início de seu uso no Brasil, o público ao qual os produtos ou serviços identificados pela marca se destinam originalmente, os meios de comercialização da marca no Brasil, a amplitude geográfica de sua comercialização no Brasil e no exterior, entre outros. Deste modo, é notaria a relevância da Resolução 121 quando a temática é marca de “alto renome”.
Marcelo Tadeu Cometti é professor de Direito Empresarial da LFG, Doutor em Direito Empresarial pela Faculdade de Direito da USP, Mestre e Especialista em Direito Empresarial pela PUC-SP.
Conteúdo editado pela LFG, referência nacional em cursos preparatórios para concursos públicos e Exames da OAB, além de oferecer cursos de pós-graduação jurídica e MBA.