Quase meio milhão de brasileiros estão entre os usuários do Facebook que tiveram dados coletados irregularmente pela empresa britânica de marketing político Cambridge Analytica.
Da mesma forma que está acontecendo nos Estados Unidos e Europa, esses internautas podem entrar na justiça com ação coletiva contra a rede social de Mark Zuckerberg pelo vazamento de informações pessoais.
A avaliação é de Cesar Peghini, professor da LFG, advogado, especialista em Direito Civil. Ele afirma que leis brasileiras garantem a privacidade e proteção de dados dos internautas. Entre as quais, o advogado lista o Marco Civil da Internet (lei nº 12.965/2014), bem como os códigos Civil e de Defesa do Consumidor.
Com base nesses dispositivos, os usuários prejudicados podem responsabilizar o Facebook por perdas e danos. Porém, o advogado aconselha que as vítimas que decidirem reclamar seus direitos na justiça, percorram o caminho da ação coletiva.
Segundo o professor, a ação coletiva é mais eficiente porque se apoia nos princípios dos direitos difusos ou transindividuais que atendem um grupo de pessoas ou a coletividade afetada por determinada situação, como em caso de desabamentos, desequilíbrio do meio ambiente, prejuízos financeiros e o vazamento dos dados pessoais pelo Facebook.
Como foi o vazamento de dados do Facebook
O escândalo, envolvendo o Facebook e a Cambridge Analytica sobre o compartilhamento sem autorização de dados de usuários da rede social, foi revelado no começo de março.
Os jornais New York Times (EUA) e The Guardian (Reino Unido) publicaram a denúncia de um ex-funcionário da consultoria de marketing, relatando como os dados foram utilizados para influenciar eleições dos Estados Unidos de 2016, em que Donald Trump foi o vitorioso.
A Cambridge Analytica é a consultoria que trabalhou na campanha de Trump. Sua estratégia para uso indevido dos dados de usuários do Facebook gerou grandes discussões sobre ações de marketing digital que violam a privacidade dos internautas.
Zuckerberg, fundador do Facebook, admitiu a falha no vazamento de dados. “Tenho trabalhado para perceber exatamente o que aconteceu e como garantir que isso não volte a acontecer”, disse o executivo em um longo post aos usuários em sua rede social, prometendo mudanças para proteger dados dos internautas.
O diretor de Tecnologia do Facebook, Mike Schroepfer, estimou que 87 milhões de usuários de dez países tiveram informações de seus perfis compartilhados indevidamente com a Cambridge Analytica. Desse total, mais de 70 milhões são pessoas dos Estados Unidos, o que levou Zuckerberg a prestar depoimento no congresso norte-americano.
Em número de vítimas do incidente, o Brasil aparece em 8º, com 443.117 mil usuários com dados violados. O Facebook informou que as pessoas afetadas pelo vazamento de informações seriam notificadas em sua página com orientações sobre dados coletados e quais aplicativos usados para essa operação pela Cambridge Analytica.
Informações publicadas pela imprensa internacional dão conta de que usuários que utilizaram o aplicativo This Is Your Digital Life, dentro da rede social, foram alvo da coleta de dados pela Cambridge Analytica.
Fonte: Facebook
Ações contra perdas e danos
Um grupo de advogados dos Estados Unidos e Reino Unido entrou com ação coletiva para defender 71 milhões de usuários dos dois países que tiveram a privacidade de seus dados quebrada, segundo informações do jornal britânico The Guardian.
No Brasil, o Procon-SP notificou o Facebook, solicitando esclarecimentos sobre o compartilhamento de dados de usuários brasileiros com a Cambridge Analytica. Outros órgãos locais também chegaram a pedir explicações à empresa de Zuckerberg sobre a quebra de privacidade dos usuários brasileiros.
O que diz a legislação brasileira?
O advogado Cesar Peghini diz que o Facebook é responsável pelos dados de seus usuários e tem que garantir a segurança, segundo determina a legislação do Marco Civil da Internet.
Ele explica que a norma exige que os provedores garantam a privacidade das informações de seus con consumidores. A lei também veda o compartilhamento das informações de clientes com terceiros.
Em seu artigo 10, a lei do Marco Civil da Internet destaca: “A guarda e a disponibilização dos registros de conexão e de acesso a aplicações de internet de que trata esta lei, bem como de dados pessoais e do conteúdo de comunicações privadas, devem atender à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas”.
Para o advogado, esse é um dos direitos dos internautas brasileiros e que o Facebook tem que cumprir. O professor da LFG cita as penalidades do artigo 12 para as empresas que não respeitam as regras.
O dispositivo expressa que independentemente das demais ações civil, criminais e administrativas, empresas que não protegem os dados dos internautas estão sujeitas a penas acumulativas, como:
– Advertência com indicação de prazo para adoção de medidas corretivas;
– Multa de até 10% do faturamento do grupo econômico no Brasil no seu último exercício, excluídos os tributos, considerados a condição econômica do infrator e o princípio da proporcionalidade entre a gravidade da falta e a intensidade da sanção;
– Suspensão temporária das atividades que envolvam os atos previstos no art. 11; ou
– Proibição de exercício das atividades que envolvam os atos previstos no art. 11.
Ao analisar o Direito Civil, Peghini considera que a proteção dos internautas é até mais ampla. Ele chama atenção para o capítulo II do Código Civil sobre os Direitos da Personalidade, previstos nos artigos 11 e 12.
“Os direitos da personalidade são invioláveis, intransmissíveis e indisponíveis”, diz o professor da LFG. Citando o artigo 12 do Código Civil, “pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei”, explica.
Outra lei apontada pelo advogado que ampara as vítimas do vazamento de dados pessoais pelo Facebook é o Código de Defesa do Consumidor. A legislação sugere, em seu artigo 81, que em caso de violação dos direitos do consumidor, os prejudicados entrem com ações coletivas.
Nesse caso, as ações devem ser protocoladas por órgãos representantes das vítimas, como o Ministério Público, entidades de defesa do consumidor (Idec, Procon etc.) e associações de usuários.
“As ações coletivas são mais efetivas que as individuais”, reforça Peghini, lembrando processos contra bancos que mandavam cartão de crédito para os consumidores sem eles pedirem. Alguns clientes entraram individualmente na justiça contra instituições financeiras, mas o dano era pequeno para essas empresas e a distribuição dos cartões continuou.
“A prática só cessou quando o Ministério Público entrou com ação coletiva, informando que os bancos receberiam multas altíssimas”, recorda o advogado. Ele diz que o MP pode utilizar ferramentas do Marco Civil da Internet para multar o Facebook, exigindo indenizações de 10% sobre o faturamento da empresa no Brasil, além de aplicar outras sanções.
Para o advogado especializado em Direito Civil, o incidente envolvendo o Facebook é um alerta para as empresas que armazenam dados pessoais dos internautas, das companhias de marketing digital e também para os usuários de serviços online.
Peghini observa que “hoje em dia quem tem poder não é quem tem dinheiro, mas os que têm informação”. Empresas como Facebook, Google, WhatsApp e outras plataformas digitais sabem muito sobre seus usuários.
Alguns serviços, por exemplo, até aceitam que as pessoas entrem com as senhas do Facebook ou Google, sem perder tempo fazendo cadastros. O internauta acaba aceitando até por praticidade. Mas a maioria não lê os termos dos contratos em que autorizam compartilhamento de seus dados.
A era digital sinaliza que o uso de dados na sociedade da informação deve gerar muitos debates sobre questões de privacidade e também fazer com que os casos cheguem à justiça.
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