Você sabe quais são as teorias da posse e qual foi adotada pelo nosso ordenamento?
Estudados no Direito Privado, a posse e a propriedade são temas do “Direito das Coisas” e, para compreender um dos conceitos, é necessário compreender também o outro e saber diferenciá-los.
Conceituar tais institutos do Direito pode ser uma tarefa complexa, mas não impossível. Os doutrinadores, em sua grande maioria, definem posse e propriedade a partir de sua natureza jurídica, bem como sob o aspecto hermenêutico — referente à interpretação das normas.
Qual a origem dos conceitos de posse e propriedade?
Não há consenso doutrinário a respeito de qual seria a origem conceitual de posse e propriedade, mas sabemos que ambos são discutidos desde o Direito Romano — que já coibia a quebra da tranquilidade, uma vez que a defesa de posse e propriedade sempre giraram em torno da paz social.
Ou seja, o Direito sempre coibiu a tomada violenta de alguma coisa que outrem tinha e tem em seu poder — assumindo aqui o Estado seu papel coercitivo, sempre que necessário e quando havia previsão legal.
Sabemos também que, desde o início, duas teorias da posse, em dois sentidos distintos e opostos, ganharam maior relevância e repercussão. É destas teorias que iremos falar nos próximos tópicos.
Quais são as teorias da posse?
Ao longo da história do Direito, o instituto da posse ganhou inúmeras teorias, mas as duas mais conhecidas na atualidade são:
- Teoria subjetiva
- Teoria objetiva
A Teoria Subjetiva (de Savigny) entende que a posse se configura quando houver a apreensão física da coisa (corpus), mais a vontade de tê-la como própria (animus domini).
Aqui, Savigny defende, em sua obra “Tratado da Posse”, que o fator determinante para que a posse seja configurada seria o poder físico exercido pela pessoa sobre a coisa. Para ele, basta a presença do adquirente na aquisição da posse.
Já para a Teoria Objetiva (de Ihering), a posse se configura com a mera conduta de dono, pouco importando a apreensão física da coisa e a vontade de ser dono da mesma. Basta ter a coisa consigo, mesmo sem ter a intenção de possuí-la. Exemplo: comodato.
Ou seja, aqui a mera conduta de dono já configuraria a posse, a simples “aparência de proprietário”, não sendo necessário exercer poder físico sobre a coisa.
Qual a teoria da posse adotada no Código Civil de 2002?
A teoria adotada pelo nosso Código Civil foi a teoria defendida por Ihering — Teoria Objetiva. Não é exigida, portanto, a intenção de ser dono sobre a coisa, mas a mera “aparência de possuidor”.
Tal afirmação pode ser facilmente percebida pela leitura do artigo 1.196 do Código Civil, que assim dispõe:
“Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”.
Aqui, vale destacar que Ihering era um crítico da Teoria Subjetiva de Savigny e desenvolveu sua teoria acerca da posse no livro “O espírito do Direito Romano”, publicado entre 1852 e 1865.
A conduta de dono, ferrenhamente defendida por Ihering, era objetivamente analisada. A ideia era verificar se o possuidor agia habitualmente da mesma forma que o proprietário agiria em determinadas situações.
Ihering ainda distinguiu posse direta e indireta – temas que serão tratados adiante.
Assim, a posse é compreendida, em nosso contexto, como duas situações:
- Uma situação de caráter potestativo (quando se impõe uma situação a uma parte, sem que ela possa contraditar)
- E também uma situação fática, que decorre de uma circunstância de relação socioeconômica entre a coisa e o sujeito que, por sua vez, gera efeitos no mundo jurídico de forma “erga omnes” (efeitos contra todos).
Teorias da posse: Qual é a diferença entre posse e propriedade?
Agora que já definimos o significado de posse, é preciso entender a definição de propriedade, para que não existam dúvidas sobre suas diferenças e conceitos.
Inicialmente, destaca-se que: a posse tem um ânimo transitório, enquanto a propriedade tem caráter permanente.
Além do caráter permanente, a propriedade:
- Possui efeito “erga omnes”;
- Possui direito de sequela (poder de perseguir a coisa dada em garantia);
- Observa o princípio da publicidade, podendo ser absolutamente comprovado perante terceiros.
Já a posse não tem nenhuma dessas características, uma vez que não há domínio pleno da coisa.
Ainda sobre suas diferenças, o possuidor tem o direito de propor ações possessórias, até mesmo contra o proprietário. Já o proprietário tem a prerrogativa de propor ações reivindicatórias.
Diz-se frequentemente na doutrina que a ação reivindicatória é a “ação do proprietário não possuidor contra o possuidor não proprietário”.
Quais são os tipos de posse em nosso ordenamento jurídico?
- Posse direta x Posse indireta;
- Posse justa x Posse injusta;
- Posse violenta;
- Posse clandestina;
- Posse precária;
- Posse nova x Posse velha.
Como dito anteriormente, segundo a doutrina majoritária, o nosso Código Civil adotou a Teoria Objetiva de Ihering. Contudo, adotou-a de forma mitigada, principalmente por causa de sua função social — tema dos próximos tópicos.
Tal afirmação é claramente observada no artigo 1.197 do Código Civil, que diz:
“A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto. (destaques nossos)
Como dito, a posse dá aparência ao direito de propriedade. Ao observarmos, por exemplo, alguém portando um chapéu pelas ruas, é comum presumirmos que aquele objeto pertence àquela pessoa, em virtude da aparência.
O Código Civil preceitua que posse é um fato, de acordo com o artigo 1.196, CC:
Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.
Contudo, a teoria da posse é mitigada, no sentido de que nem sempre essa se dará de forma individual. Ou seja, a posse poderá ser compartilhada entre duas ou mais pessoas simultaneamente. E é aqui que falamos sobre “posse direta” e “posse indireta”.
Posse direta x Posse indireta
Um exemplo comum e nítido sobre tais institutos é o contrato de locação de imóveis.
O locatário ocupa o bem alugado, por força de um contrato firmado entre as partes, exercendo aqui a posse direta e imediata.
Por outro lado, o locador (e também proprietário) exerce a posse indireta e simultânea. Ou seja, o possuidor indireto continua exercendo a posse, ainda que não esteja em contato físico com o bem.
O possuidor é a pessoa que detém o poder de fato sobre o bem. Por sua vez, o proprietário é aquele que detém o poder de direito, sendo que um não exclui o outro.
O exercício simultâneo da posse (direta e indireta) gera consequências, que estão previstas no artigo 1.197, do CC e seguintes.
No caso de posse simultânea, tanto possuidor quanto proprietário, em caso de esbulho, perturbações ou alguma limitação de direito anteriormente pactuado por contrato ou previsto em lei, podem se valer das ações respectivamente competentes (possessórias e reivindicatórias) para garantir o livre exercício de seu direito.
Posse justa x Posse injusta
A posse justa é aquela que se constitui livre de vícios. Exemplo: sem violência, clandestinidade ou precariedade.
Já a posse injusta, como o próprio nome diz, é a posse que já nasceu eivada de vícios e ilegalidade, mas que ao final já não apresenta tal característica. Caso ao final do contrato ou acordo tais vícios permanecerem, já não estaria mais configurada a posse, mas sim a detenção (estado de fato que não corresponde a nenhum direito).
Posse violenta
É aquela obtida através de violência física, violência moral, ou esbulho (apossar ou roubar).
Posse clandestina
Obtida de maneira sorrateira, clandestina, sem violência (se parece com o crime de furto). Exemplo: invasão de uma fazenda de madrugada.
Posse precária
Obtida com abuso de confiança (se parece com o crime de estelionato). Exemplo: inquilino que não restitui bem ao fim do contrato e se apossa ilegalmente do mesmo.
Posse nova x Posse velha
Quando há ação possessória ajuizada dentro do período de um ano e um dia, contados da data do esbulho ou do prejuízo, temos posse nova.
E diz-se posse velha quando há ação possessória ajuizada após o prazo de um ano e um dia, contados da data do esbulho ou prejuízo.
Teorias da posse: qual é a função social da posse?
Assim como previa o Direito Romano, o nosso direito atual não é diferente ao determinar que a função social da posse é a de utilizar o bem em favor de um interesse comum.
Ou seja, ao utilizar um imóvel, através de um contrato de locação por exemplo, espera-se que o inquilino utilize aquele imóvel da melhor forma possível.
Isso ocorre a partir da atribuição de uma destinação social à posse, cuidando adequadamente daquele bem e considerando o interesse social. Gera-se assim, consequentemente, segurança jurídica ao possuidor, garantindo-lhe seu direito real sobre a coisa..
Ou seja, caso o possuidor direto, no exercício da posse, cumprir com sua função social, este não gozará do amparo e da tutela constitucional previstos, não sendo tutelado pelo sistema.
Esse entendimento é decorrente da Constituição Federal (artigo 5º, XXIII e artigo 170, III) e do Código Civil (artigo 1.228, § 1º) que expressam de forma bem clara o princípio da função social da propriedade enquanto elemento integrador e também limitativo deste direito; o princípio da função social da posse encontra-se implícito.
Em suma, é possível dizer que a função social da posse tem como objetivo o estímulo à produtividade do bem e a moradia. Em contrapartida, a função social da propriedade tem o objetivo de resguardar o valor econômico da coisa e seu patrimônio, bem como garantir seu domínio.
No Código Civil, a função social da posse pode ser extraída da interpretação dos seguintes dispositivos legais:
- Artigo 1.238, parágrafo único;
- Artigo 1.242, parágrafo único;
- Artigo 1.228, § 4º e 5º.
O que é a teoria sociológica da posse?
A Teoria Sociológica da Posse foi desenvolvida por Silvio Perozzi, Raymond Saleilles e Hernandez Gil, entre outros. A principal característica da teoria é a defesa de que a posse tem autonomia em face da propriedade.
Ela é definida quando a sociedade atribui ao possuidor o exercício de fato. Ou seja, aquele que der a destinação correta e social será o possuidor.
Para Saleilles, aquele que apresentar dependência econômica para arcar por exemplo, com as benfeitorias e manutenção necessárias do bem, proporcionando sua sustentabilidade, será o possuidor. É a teoria da “apropriação econômica”, onde o possuidor deve estar de fato buscando algum objetivo socioeconômico, evitando a posse por mera especulação.
O pensamento de Perozzi é no sentido de que a posse é resultado do fator social. Em outras linhas, ele defende que a posse independe de corpus e de animus.
Hernandez Gil defende que a propriedade deve servir aos propósitos coletivos, podendo ser possuidor aquele que chegou primeiro na terra, dando ênfase ao caráter econômico da coisa. Essa é a interpretação mais subjetiva das três.
A Teoria Sociológica ainda está em construção, visto que é defendida por modernos doutrinadores que tentam aperfeiçoar cada dia mais a Teoria Objetiva da Posse.
Teorias da posse: A posse é um direito real ou pessoal?
Por todo o discorrido, fica claro de que a Teoria Subjetiva de Savigny resta completamente superada, uma vez que confere importância exagerada ao elemento “animus domini” (intenção de agir como dono).
Nessa teoria, Savigny não protege o arrendatário, usufrutuário e o locatário, por exemplo. Isso porque eles não se enquadrariam no conceito subjetivo, pois não possuem a coisa com a intenção de tê-la como dono.
O Código Civil adotou a Teoria Objetiva de Ihering, tendo em vista que essa apresenta maior segurança jurídica e consegue enquadrar um maior número de situações. As possibilidades elencadas ficam menos engessadas, de modo a acompanhar a evolução do Direito e da sociedade.
Uma parte da doutrina atribui à posse uma conotação de direito real. Em outros momentos e conceitos, aparenta ter características de direito pessoal. No fim, o que podemos dizer é que posse é um instituto particular, que requer tratamento diferenciado e sempre atento.
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