Uma polêmica envolve e divide opiniões referentes às atividades culturais e a proteção animal. Alguns eventos realizados em cidades brasileiras com animais atraem muitos turistas, mas essas festas se confrontam com a legislação que defendem os direitos desses protagonistas.
Um dos questionamentos, por exemplo, é sobre os maus-tratos durante a vaquejada, tradicional atividade cultural da região Nordeste do Brasil.
O centro das atenções da festa é um novilho, que é puxado pelo rabo e derrubado por dois peões montados em cavalos. Também chamam a atenção os rodeios e outros shows com animais pelo país a fora.
Segundo o advogado Fabiano Melo, professor de Direito Ambiental da LFG, é necessário entender as concepções éticas de proteção dos animais e meio ambiente com essas festividades.
“Quando falamos em proteção ao meio ambiente, temos uma leitura antropocêntrica – a proteção sob responsabilidades de humanos, moradores do Brasil, além de uma outra visão biocêntrica, em que as relações jurídicas, nesse âmbito, estão também todos os outros seres vivos”, explica o professor.
No entanto, a lei brasileira referente aos assuntos de proteção aos animais e ao meio ambiente segue o artigo 225 da Constituição Federal (CF), a saber:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
VII – Proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
O embate é claro e foi acalorado quando o Supremo Tribunal Federal (STF) apreciou ações diretas de inconstitucionalidade em face às leis que permitiam as práticas esportivas das rinhas, brigas de galo, entre outras.
Todas as leis estaduais que protegem de alguma forma essas atividades foram declaradas inconstitucionais. Discussões que versam a farra do boi, por exemplo, também cercam o Congresso Nacional constantemente.
O problema que permeia todas essas conversas está na Emenda Constitucional (EC) 96/2017. Ao acrescentar o parágrafo 7, ficou determinado que diversos tipos de práticas com animais não criminosas. Isso porque se trata de atos desportivos que envolvem animais e ainda são consideradas patrimônio cultural e imaterial.
Outra discussão envolve a farra do boi, que acontece no estado de Santa Catarina. É originária dos açorianos e também uma prática que atenta contra o inciso 7, do parágrafo primeiro, do artigo 225 da Constituição Federal.
Práticas culturais e imateriais
O que tange todas essas questões, segundo o professor Melo, é que a EC 96/2017, além de se justificar pelo impacto econômico que a região do Ceará tem com a vaquejada, por exemplo, a aponta como prática cultural.
Para tanto, uma Ação Direta de Constitucionalidade (ADI), de número 4983, fortalece a batalha:
ADI 4983 – Ceará Processo Objetivo – Ação Direta de Inconstitucionalidade – Atuação do Advogado-Geral da União (…)
Vaquejada – manifestação cultural – animais – crueldade manifesta – preservação da fauna e da flora – inconstitucionalidade.
A obrigação de o Estado garantir a todos os pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância do disposto no inciso VII do artigo 225, da Carta Federal, o qual veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Discrepa da norma constitucional a denominada vaquejada.
“Mesmo que para a maioria a ADI 4983 fosse declarada inconstitucional, a discussão não está pacificada”, aponta o professor Melo.
O Congresso Nacional resolveu reagir a essa decisão do STF e aprovou a lei que eleva a vaquejada, rodeios e outros a práticas culturais decorrentes da cultura nacional, transformando-as em patrimônio.
Assim, a lei 13.364, de 29 de novembro de 2016 diz que, no art. 1º, que o Rodeio, a Vaquejada, bem como as respectivas expressões artístico-culturais, à condição de manifestações da cultura nacional e de patrimônio cultural imaterial.
Art. 2º O Rodeio, a Vaquejada, bem como as respectivas expressões artístico-culturais, passam a ser considerados manifestações da cultura nacional
Art. 3º Consideram-se patrimônio cultural imaterial do Brasil o Rodeio, a Vaquejada e expressões decorrentes, como:
I – montarias;
II – provas de laço;
III – apartação;
IV – bulldog;
V – provas de rédeas;
VI – provas dos Três Tambores, Team Planning e Work Planning;
VII – paleteadas; e
VIII – outras provas típicas, tais como Queima do Alho e concurso do berrante, bem como apresentações folclóricas e de músicas de raiz.
Artigo 216 da CF
O registro para atestar o patrimônio cultural e imaterial está no parágrafo primeiro do artigo 216 da Constituição Federal.
“Assim, o STF declarou a Vaquejada uma prática discrepante, apoiada no inciso de número 7 do primeiro parágrafo do artigo 216 da CF”, explica o professor.
Em seguida, temos a promulgação da emenda 96/2017, que insere um novo parágrafo. De acordo com a lei 13364 de 29 de novembro de 2016, tem-se de um lado a decisão do STF em relação à vaquejada, brigas de galo entre outros e, do outro, o Congresso Nacional em reação.
“De maneira inevitável, a discussão não foi encerrada. Com a ADI 5728, o STF questiona essa solução”, complementa Melo. O Ministro relator é Dias Toffoli.
Para o concurseiro
Segundo o professor Melo, o concurseiro deve tomar cuidado em avaliar e estudar o posicionamento do STF referente à prática discrepante e à prática inconstitucional.
“Saber em sua literalidade o parágrafo 7 da lei 13364/2016 é essencial. Além disso, atentar-se ao conceito de discussão antropocêntrica e biocêntrica pode ajudá-lo”, atenta e finaliza professor.
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