A especialista traz conhecimentos sobre equidade de gênero, gestão pública e sua trajetória profissional para a LFG
Professoras LFG: Conheça suas histórias!
Com uma série de entrevistas, queremos contar para nossa comunidade as histórias inspiradoras e transformadoras das professoras que formam a LFG.
Além de contar seu caminho até garantir reconhecimento profissional, elas dividem vivências sobre desigualdade de gênero no mercado, barreiras enfrentadas e, claro, experiências pessoais que moldaram sua forma de viver e ensinar.
A entrevistada de hoje é Elisa Faria, professora da rede LFG, gestora pública e estudiosa.
Como foi o início da sua carreira?
Elisa Faria: Eu me formei em Direito em 1999. Antes disso, antes da faculdade ainda, em 1993, eu fui estrear como estagiária de nível médio na gestão pública.
Fiquei sabendo que tinha um processo seletivo para estagiários. Eu tinha 17 anos, fiz a prova e passei. Lembro que meu pai ficou bravo comigo, porque ele trabalhava também na administração do Estado de Minas Gerais.
Não era o mesmo órgão, o mesmo setor, não tinha a mesma chefia nem nada, e eu só avisei pra ele depois, porque se não ele não ia deixar. Ele sempre foi uma pessoa rigorosa. Mas por fim, eu fiquei nesse estágio e comecei a trabalhar com concurso público, por incrível que pareça.
E o que eu fazia? Eu datilografava o Diário Oficial com as notas dos professores – geralmente eram concursos públicos de professores – em um gabarito que depois virava as colunas do Diário Oficial. Então esse foi meu primeiro trabalho, minha primeira atividade remunerada.
Aí depois eu entrei na faculdade em 1995. E em 1998 eu comecei a trabalhar como office girl de uma Ministra do STF! Na época, ela precisava de alguém para dar um suporte para sua secretária. Eu postava coisas no correio, ia no banco, fazia pagamento, buscava livros na na biblioteca, coisas antigas… Mas era o que a gente fazia na época.
De lá eu evoluí um pouquinho, substituí a secretária dela algumas vezes. Servi até café para os ministros do Supremo Tribunal Federal. Foi a primeira vez que eu fiz café, inclusive, assim em público. Depois fui estagiária e advogada no escritório dela. Foi por pouquíssimo tempo.
Paixão pela docência
Elisa Faria: A minha paixão sempre foi a questão da docência. Então quando eu me formei, eu já comecei uma pós-graduação em direito municipal. Eu queria passar da graduação.
E nessa pós eu conheci muitas pessoas de outros municípios que também lidavam com a administração pública. Comecei a dar palestras de direitos administrativos em outras cidades. Na Unimontes, de Montes Claros, por exemplo.
Eu cheguei a falar em algumas pós-graduações, muito recém-formada ainda. Mas por quê?
O direito administrativo não tem muitos adeptos, por assim dizer. Então acabava que eu trazia uma experiência já de administração pública, quando trabalhei para a ministra do STF.
Foi assim que eu comecei. E quando acabei minha pós-graduação, já estava trabalhando na prefeitura de Contagem e fazendo justamente a parte de análise de direito dos servidores públicos.
A vida de professora
Elisa Faria: Em 2005 eu entrei para um cursinho que foi referência durante muitos anos em preparação para concurso público. Na época tínhamos, por exemplo, oito turmas simultâneas de Tribunal de Justiça. Quinze turmas da Polícia Federal Rodoviária. E cada turma dessa chegava a ter 100, 150 alunos.
Depois, o cursinho fez parceria para realizar transmissão de aula via satélite. Coordenei entre 2008 e 2009 essa parceria. Então, também tive experiência na área de gestão educacional.
Na área da docência, basicamente a minha principal experiência foi na área de preparação para o concurso público, mas também dou aula na PUC desde 2008, na pós e na graduação.
Dou aulas em várias pós-graduações: na a escola magistratura federal de Paraná, na escola superior de advocacia aqui de Minas, e outras mais. Então é a docência que basicamente me define.
Eu tenho um coração dividido entre a docência e a gestão pública. Por exemplo, hoje eu “estou” gestora pública. Falo que gestor público é uma coisa que a gente está e docência é uma coisa que a gente é.
Eu me formei em Direito mas desde o começo eu entrei para administração pública. Acabei me apaixonando por essa área e vendo que o direito era insuficiente para solucionar os problemas da administração pública.
Então eu comecei a buscar cursos na área da gestão. Fiz o meu mestrado em administração pública na Fundação João Pinheiro.
Essa formação de administrador público, junto com a do Direito, me tornou uma pessoa mais completa para solucionar as questões do interesse público, para fazer uma boa gestão dos recursos e dos bens públicos.
Por que você escolheu o Direito?
Elisa Faria: Quando eu era pequena, tinha lá uns seis, sete anos, até dez, eu gostava de dar aula para as crianças na minha rua. Minha rua era sem saída e aí então sentava todo mundo pra fazer os desenhos, fazia os “para casas” para qualquer idade. De uns era desenho, de uns era escrever palavrinhas e eu ficava ali dando aula.
Então acho que eu sempre quis ser professora muito antes de ser gestora. Isso sempre foi apaixonante pra mim.
Quando eu optei pela faculdade, antes eu já trabalhava na administração pública. Ou seja, aos dezessete anos, em 1993, já estava na administração pública, eu já comecei a gostar muito do Direito Administrativo.
Ser advogada era mais aquela coisa de sonhar — imagina você no tribunal? Mas não era real. Agora o direito administrativo sempre foi muito real para mim.
Isso vem da inspiração de casa. Meu pai é professor. Está com 81 anos, dá aula na PUC ainda, dá aula no doutorado, é membro de conselho de diversas revistas científicas, doutor em Direito Administrativo.
Ele sempre foi muito apaixonado pelo direito. Então, eu cresci no meio de livros de direito. Eu lembro que meu pai tinha um escritório na praça Sete, num edifício antigo. Eu me lembro desse edifício porque tudo era muito alto e eu só me lembro da parte baixa dele.
Ele sempre ia aos sábados para estudar algum conteúdo, ler um pouco mais. Se a gente pedia pra ir com ele, às vezes levava. O meu primeiro motivo era comer pastel frito com caldo de cana no caminho porque podia parar na Pastelândia e comer.
Mas depois eu comecei a gostar daquilo.
Eu pegava algum livro, lia também, às vezes levava alguns livros do Monteiro Lobato. Então isso marcou muito na minha infância, acho que deve ter vindo desse trajeto de acompanhar e de admirar meu pai profundamente como estudioso do direito.
Qual foi o melhor conselho que sua mãe te deu?
Elisa Faria: A minha mãe era muito dinâmica. Ela faleceu em julho de 2019, mas de vez em quando ainda ligo para o telefone da minha casa querendo falar com ela. Porque ela era a conselheira mor.
E o principal conselho que ela me deu foi o seguinte: arrependa-se de ter feito as coisas, e nunca de não ter tentado. Então, com isso, eu me aventurei bastante em muitas coisas.
Inclusive, antes da minha primeira aula de preparação para concurso, eu fiquei receosa. Não sabia como é que eu ia chegar naquele tanto de gente, muito tímida, muito assim sem graça e tal. Ela falou assim: “minha filha, arrependa-se de ter feito, mas não de não ter tentado”.
E aí fui com as pernas tremendo, dor de barriga, mas dei a minha primeira aula. Dali para frente foi só aperfeiçoando, a gente vai gostando mais ainda.
E quais foram as maiores dificuldades que você enfrentou na sua carreira?
Elisa Faria: Uma das dificuldades que a gente enfrenta por ser mulher é que o mercado, tanto da gestão pública quanto o da docência, não foi feito para a mulher.
Na preparação para concurso público, por exemplo, são aulas à noite, elas tomam todas as noites. Então, pra quem tem filho pequeno, o pai pode dar a aula e deixa o filho com a esposa. E a esposa que quer entrar pra esse mercado de trabalho, ela tem que abdicar um pouco da maternidade e isso foi muito sofrido para mim.
Quando minha filha tinha dois anos, eu estava dando muita, muita, muita aula e um dia acabou a luz do prédio.
Então eu ia voltar para casa mais cedo. Liguei para casa e falei assim: “filha, não dorme não que mamãe vai chegar”. Sempre chegava depois que ela já estava dormindo.
E aí ela falou assim: “Papai, roupa de festa, roupa de festa! A mamãe finalmente vai voltar para casa”. Essa foi a parte mais difícil pra mim conciliar a maternidade com a docência.
Na gestão pública o mercado de trabalho é muito masculino ainda, especialmente nos cargos de gestão. Muitas vezes eu fui uma única mulher num grupo de secretariado e é isso, você passa por questões às vezes de assédio, passa por questões onde desacreditam da capacidade de gerência, sabe?
Então, de um modo geral eu acho que para a mulher, eu entendo que existe sim uma dificuldade dessa conciliação.
A mulher entra no mercado de trabalho mais tarde. Antigamente ela não entrava no mercado de trabalho, hoje ela tem os filhos e aí mais para frente, então, ela entra pro mercado de trabalho.
Então, enquanto o homem entrou novo e foi subindo nas carreiras de gerência, ela entra mais tarde. Então ela está sempre atrás nessa questão de remuneração.
E você já teve um momento em que se sentiu desafiada por ser mulher?
Elisa Faria: Eu comecei um projeto super legal de direito administrativo em um cursinho, a turma adorava. Isso eu posso dizer porque eu entrego com muita paixão, então os alunos também me receberam assim.
E houve dois episódios em sequência em que uma professora estava grávida, ela teve um problema e no primeiro dia [de aula] passou mal, no segundo dia eu não me lembro bem, mas acho que ela chegou a ir para o hospital.
No terceiro dia de aulas dessa turma, eu tive um mal estar vindo de Contagem para o cursinho. Tive que parar o carro e minha pressão tinha chegado às alturas.
Fui ao hospital, mandei mensagem de lá explicando e, logo em seguida, as professoras mulheres foram demitidas desse curso. Ficaram os professores homens, porque “eles não dão trabalho”.
A fala que marcou foi: “mulher é cheia de mimimi, mulher é cheia de frescura”.
Essas intempéries podem acontecer com qualquer pessoa e evidentemente que com a mulher pode acontecer mais. Porque se o filho ficar doente é a mulher que vai, a mãe que vai lá cuidar né? Dificilmente o pai vai.
Lógico que existem as exceções, mas então que a gente possa permitir que a maternidade seja exercida.
Isso pode ser feito, por exemplo, por aulas pré-gravadas, professores substitutos que possam entrar ou tarefas substitutas que possam entrar em determinados momentos. Porque infelizmente ninguém é robô, né? Ninguém é um robô que está ali sem falhar.
Então as próprias escolas têm que se adaptar para que essas ocorrências, essas emergências, não prejudiquem o ensino dos alunos, mas também não tragam para o professor uma pressão na parte psicológica. Do tipo: “Venha morrendo, mas venha”.
Acho que esse foi o meu pior desafio.
Movimentos em busca de igualdade: quão importantes você considera que foram — e ainda são?
Elisa Faria: Como estudiosa das políticas públicas, é difícil fundamentar em um pequeno texto, uma pequena entrevista como essa, mas as políticas afirmativas são fundamentais.
Sejam as políticas afirmativas de gênero, sejam as políticas afirmativas de raça, de um modo geral elas têm mais pontos positivos do que negativos.
Só que evidentemente, como em todas as políticas públicas, sempre existem aquelas pessoas que se aproveitam dessas políticas para galgar algum tipo de vantagem.
E sempre existem, também, aquelas pessoas que não eram para ser alcançadas, mas acabam sendo alcançadas. Mas isso não tira de forma alguma o valor e a necessidade das ações afirmativas.
Qual é a figura feminina que você mais admira?
Elisa Faria: Minha mãe, sem dúvida.
Acho que a maioria das pessoas admira muito a mãe. E a minha era sensacional, a mamãe mesmo sem tecnologia achava a gente, ela conseguia saber o que a gente estava sentindo, pensando, mesmo a distância, sabe?
Sempre muito positiva. Ela, no final de sua vida, teve Parkinson e lutou contra esse Parkinson. E você nunca viu ela reclamando da vida, sabe?
Acho que é um valor que eu admiro nela e nas mulheres todas que acabam sendo mães da gente também.
Uma madrinha, uma uma chefe, alguém que vem com essa inspiração da luta, da força, do renascer, do nada. Não só a mulher, mas as pessoas com alma feminina tem isso forte, esse poder de renascer do nada como se fosse uma fênix.
Qual conselho você daria para sua filha?
Elisa Faria: Eu repetiria, para ela, por gerações o conselho da minha mãe, que é: arrependa-se de ter feito as coisas, e nunca de não ter tentado.
E algo que eu acho que vem muito da pandemia, acho que nós todos aprendemos muito com esse confinamento, que é dar mais valor às pequenas coisas.
Comer junto, ouvir música junto, curtir mais a família, sabe? Não deixar o foco principal na atividade externa. Ou seja, só trabalho, trabalho, trabalho. Tem que ter um ócio criativo para que a vida flua mais naturalmente, a vida passa muito rápido. Acho que é isso que eu diria à minha filha.
Gostou de conhecer mais da trajetória da professora Elisa Faria? Que tal conferir também nossa entrevista com Luiza Soalheiro?