Que tal conhecer um pouco mais sobre a história das professoras LFG?
Preparamos uma série de entrevistas para apresentar suas histórias, trajetórias profissionais e algumas curiosidades de suas vidas. Elas falam, também, sobre as peculiaridades e desafios de ser mulher em seus ofícios.
A professora da vez é Luiza Soalheiro. Luiza é professora da Rede LFG, advogada, coach e autora Saraiva Jur. Doutora e Mestra em Direito, possui especialização em Direito das Famílias e Sucessões.
Olá, professora! Para começar, gostaríamos de saber: Como foi o início de sua carreira?
Olá! O início da minha carreira foi bem desafiador. Assim que eu me formei montei um escritório de advocacia com duas outras pessoas, sempre trabalhei de forma autônoma como advogada e nunca para outro escritório.
As duas outras pessoas que eram minhas sócias foram minhas chefes anteriores. Essa situação foi bem desafiadora, porque tive muitos conflitos para que elas me enxergassem realmente como uma advogada e deixassem para trás a minha fase como estagiária. Afinal, eu já era realmente uma profissional.
Então eu tive que batalhar muito para conquistar meu espaço na advocacia.
Além disso, sempre tive uma aparência jovem, então isso também foi um desafio no início da minha carreira. Essa situação começou a mudar quando entrei para a sala de aula.
Como professora eu realmente me encaixei, foi onde realmente amei e onde não sofri preconceitos.
Por que você escolheu o Direito?
Na verdade eu não escolhi o Direito, sendo bem sincera, eu caí de paraquedas no Direito. A minha vida toda eu fiz teatro em Belo Horizonte e tinha planos de cursar Cinema na Universidade Federal Fluminense, mas apesar de ter sido aprovada na primeira etapa, não passei na segunda.
Na época me senti muito frustrada, eu tinha dezessete para dezoito anos, muito imatura ainda, e isso influenciou para que eu não tentasse o vestibular novamente para Cinema.
Meu pai já havia feito minha inscrição para Direito, então eu fui lá para ver como era. Cheguei totalmente despreparada sem saber o que era Vade Mecum, STF ou jurisprudência.
Realmente caí como se fosse um mundo paralelo para mim. Então na verdade, eu não escolhi o Direito, entrei no curso assim “vou fazer algo que não tenha matemática” e quebrei a cara, porque tem matemática no Direito. Então eu não fiz Direito por paixão, ou influência, pois na época não tinha ninguém da minha família no Direito.
Qual foi o melhor conselho que sua mãe te deu?
“Luiza, não importa o que você escolha fazer na vida, seja feliz! Se você quiser largar tudo, largue, se for pela sua felicidade”. Eu acho que esse foi o melhor dos conselhos dados pela minha mãe.
Quando eu estou em um projeto que está me trazendo infelicidade, beijo e tchau, eu vou embora mesmo, porque a minha felicidade tem que estar em primeiro lugar para que eu possa prestar um serviço de qualidade, seja na docência ou na advocacia.
Tenho o maior orgulho da minha mãe. Um outro conselho dado por ela e que me lembro de sempre ouvir, é sobre cuidar das pessoas:
“Luiza, se você atender um cliente que tenha muito poder aquisitivo trate da mesma maneira que uma pessoa que tem zero instrução, não tem poder aquisitivo e lembre-se, que dentro de um processo existe uma pessoa envolvida”.
Quais as maiores dificuldades que você enfrentou em sua carreira?
A escolha de permanecer ou não no Direito, essa foi a maior dificuldade que eu enfrentei na minha carreira.
Até o quarto período, eu tinha certeza que aquilo não era para mim. Eu sofri muito no início do curso, então minha maior dificuldade foi me encaixar no curso de Direito e isso só foi acontecer quando entrei para um grupo de pesquisa.
Eu acho que me encontrar no Direito foi a minha maior dificuldade. Eu tinha uma visão do Direito extremamente rígida, sem contato humano, minha visão era muito superficial. Eu tive muitos desafios em saber se iria ou não permanecer no Direito e onde eu realmente fui feliz, foi na docência.
Existiu algum momento ou situação em que você se sentiu desafiada por ser mulher? Se sim, qual foi?
Eu acho que ser mulher, por si só, já é um grande desafio. Hoje a gente sabe que muitas mulheres são vítimas de diversos tipos de violências, não só a violência física, mas a violência psicológica, financeira, etc. .
Acredito que a gente viva desafios para mantermos nossa autonomia feminina e, de forma mais específica, a situação que enfrentei foi a seguinte: estava no início da minha carreira, era uma audiência e a parte contrária foi representada por um ex-professor meu.
Lembro que ele foi bastante grosseiro, utilizando algumas palavras que fizeram com que eu me sentisse oprimida. Ele inclusive disse “ah, ela já foi minha aluna”, mas não de forma positiva.
Isso foi dito num sentido pejorativo, de que ele estava ali e sabia mais do que eu. Eu não retruquei. O juiz na época foi bastante sensível, porque ele percebeu o que estava acontecendo e que eu estava sendo coagida, e de alguma forma ele conduziu para outro aspecto de audiência.
Naquele momento, eu não tive reação, acho que especialmente por eu estar no início da minha carreira. Foi difícil me fazer presente, dar voz ao que eu estava pensando.
Hoje, mais madura e com muito mais experiência, esse tipo de postura em audiência jamais seria aceito por mim, muito menos reproduzido com nenhuma aluna ou ex-aluno que venha estar em uma audiência comigo.
Qual figura feminina você mais admira?
Ah, são muitas figuras, uma só acho pouco.
A minha própria mãe, que tem uma história de vida muito maravilhosa, é uma grande inspiração para mim. Ela não teve pai ou mãe presentes na criação, tinha tudo para ter uma história de vida totalmente ruim, mas ela fez da dor dela uma baita superação.
Minha mãe conta que quando era criança e aparecia uma assistente social, o sentimento era de medo, de ser levada e afastada dos irmãos e de indignação também. Porque as assistentes sociais iam até eles, mas a situação de vida deles não mudava.
Minha mãe conta que escolheu ser assistente social para proporcionar uma qualidade de vida para as pessoas mais vulneráveis, então por isso ela é minha maior inspiração.
Eu vim do teatro, então não poderia deixar de citar uma pessoa que para mim simboliza integridade e tenho grande admiração tanto como atriz como pela história de vida. A Fernanda Montenegro, uma atriz completa.
Mesmo depois de tantos anos, você vê ali uma serenidade de construção de carreira. Ela se mantém íntegra, a Fernanda não precisa estar o tempo inteiro nas luzes para brilhar.
Qual conselho você daria para uma filha sua?
Eu não quero ser mãe! Pode ser que esse pensamento mude com o passar dos anos, mas quanto mais velha eu fico e mais experiência adquiro, essa ideia é reforçada para mim.
Minha mãe conta que desde criança eu nunca fui muito de tratar as minhas bonecas como filhas, por exemplo. E sempre gostei de ter calculadoras — não sou boa em matemática — mas eu gostava de ter calculadoras, fogãozinho.
Nas minhas brincadeiras, eu era dona de empresas, restaurantes e brincava muito de escolinha. Depois de formada, fui trabalhar em Direito das Famílias. As relações familiares são tão complexas… Ser mãe é complexo, e acho que por isso cada vez mais tenho essa ideia de não ser mãe reforçada.
Mas se eu tivesse uma filha, daria o mesmo conselho que uma vez foi dado a mim pela minha mãe, para que ela priorizasse sua felicidade. Já num contexto profissional, eu diria para ela testar, se permitir, acho que a palavra que eu ensinaria desde criança para a minha filha, seria “liberdade”, se permitir!
Eu trabalharia, desde o início, a questão da liberdade e da felicidade, que é tão desafiador para nós mulheres, sustentarmos.
Se você faz alguma coisa que sai da curva daquilo que a sociedade acredita, você vai ser massacrada. Então a gente vê aí: o feminicídio em alta e ainda gente falando que “ela mereceu”, “isso é porque ela estava usando roupa curta”. Isso é surreal, é algo tão triste.
Acho que a tríade de conselhos que eu daria para a minha filha, seria: autonomia, liberdade e felicidade.
Um livro e uma série!
Uma série e um livro que eu indico e que tem tudo a ver com o contexto feminino é “O Conto da Aia” escrito por Margaret Atwood. O livro só vai até a primeira temporada e a série já se desenvolveu.
Julgo necessário para todo mundo assistir. Em todas as oportunidades que eu tenho, eu indico essa série, eu indico esse livro.
De alguma forma, essa história lembra o que nós brasileiras estamos vivendo diante desse governo atual. Então eu acho que “O Conto da Aia” se faz necessário como um alerta, um despertar para que a gente não naturalize a violência feminina.
Conte pra gente aqui nos comentários o que você achou desse post! Qual outra professora você gostaria de saber mais sobre?