Dificuldades do Brasil no combate à corrupção

Dificuldades do Brasil no combate à corrupção

 

Por Guilherme Nucci

 

Corrupção significa depravação, podridão, desmoralização e suborno. Enfim é algo sórdido, cuja abrangência é imensa no campo do Direito, partindo da corrupção, como crime autônomo, dividida em ativa (quem corrompe o funcionário público) e passiva (o servidor público que recebe o suborno), passando pelo aliciamento de menores de 18 anos para o fim de levá-los à prática de delitos até atingir a corrupção sexual, também voltada aos que levam o jovem à prostituição.

 

O Brasil, como vários outros países, sofre com essa verdadeira praga, inserida na Administração Pública há muitos anos, mas possui um dos piores sistemas legais para combatê-la, constituindo o seu mais destacado erro a leniência diante do corrupto.

 

 

Tolerância para esse tipo de crime

Tolera-se a corrupção. Não são poucos os criminalistas a proclamar que trata-se de um delito menos grave, pois não é cometido com violência, logo, o corrupto não merece ir para o cárcere. Com muito custo, a ele destinam-se penas alternativas à prisão (restritivas de direitos) e, quando não, busca-se o mais benéfico regime prisional possível (aberto ou semiaberto).

 

A ideia é que o regime fechado (prisão autêntica) é destinado apenas aos criminosos violentos, ou seja, os autores de roubo, estupro, homicídio, entre similares.

 

Em suma, esses agentes são, na sua imensa maioria, os componentes da camada pobre da população. Autores do crime de corrupção, no seio da Administração Pública, são mais abonados, usam o tradicional “colarinho branco”, sem sujar as mãos.

 

Esse quadro é lamentável, pois feita uma singela comparação, em valores, do que roubos e furtos acarretam, em matéria de perda patrimonial, em face da corrupção, haverá uma diferença abissal. A corrupção consome milhões, bilhões.

 

Os delitos patrimoniais não passam de quantias pífias. Por isso, o sistema jurídico-penal deveria voltar a sua pesada carga à corrupção, com o mesmo rigor que cuida do roubo, do furto ou da receptação.

 

Isso não significa a decretação automática da prisão preventiva de todo e qualquer acusado de corrupção, nem mesmo condená-lo, necessariamente, ao regime fechado. Aliás, segundo nos parece, nem mesmo ao agente de roubo, furto ou receptação cabe a prisão provisória como regra. O ponto é mudar a concepção da sociedade em relação aos males da corrupção.

 

Os que subornam um policial para não ser multado, por exemplo, cometem um delito muito grave. Seria o mesmo que furtar a arma desse policial. Em ambas as atitudes um agente do estado está impedido de atuar na digna função de policiar a vida dos outros.

 

Quem é corrupto, nos quadros da administração, constitui uma peça podre, que todos os dias está disposta a contaminar outras peças. É nesse prisma que se forma o crime organizado, outra epidemia causadora das mais visíveis desgraças para a moralidade administrativa.

 

A organização criminosa possui um visível oxigênio: a corrupção. Sem esta, o crime organizado morre asfixiado. Qualquer organização do crime precisa de servidores corruptos para estabilizar-se e atingir seus objetivos. Do tráfico ilícito de drogas ao desvio de bilhões dos cofres públicos, passa-se pela corrupção.

 

O dinheiro ilícito circula facilmente, no Brasil, em peças do vestuário, maletas, malas, carteiras, enfim, nos mais criativos locais, sem que os agentes estatais descubram, apreendam esses valores e prendam quem os carrega. Por quê? Muitas vezes, porque recebem parte desse dinheiro.

 

 

Cultura se espalha pelo país

O combate à corrupção, que pode ser intitulado de anticorrupção, é fraco, pois moralmente já se deixa de educar a criança e, depois, o jovem a respeito de regras mínimas de honestidade. O pai suborna o guarda na frente da família; os filhos enaltecem a esperteza do pai e tendem a agir da mesma forma.

 

O servidor público compra DVDs falsos no camelô e ainda defende a sua atitude dizendo ser muito mais barato, além do que – afirma – aquele indivíduo “pelo menos não está roubando”.

 

O professor, na academia, é complacente com o plágio (cópia da ideia e de obras de outros autores sem lhes dar o crédito) de seus alunos. Ele próprio comete essa prática, na sua faculdade, para auferir titulação e não sofre nenhuma punição, mesmo quando detectado o ato corrupto e apontado à direção acadêmica.

 

Encontra-se de tudo na internet, violando direitos autorais, mas se apela à necessidade de obter músicas, livros, fotos etc. Dá-se um dinheirinho ao servidor público somente para apressar a emissão de um documento. Compra-se carteira de habilitação às centenas todos os dias.

 

Tudo isso, no conjunto, não passa de corrupção, embora configure, conforme o caso, crime de outra espécie. Inúmeros exemplos do cotidiano podem ser citados e, com certeza, alguém já vivenciou algum deles.

 

 

Ser honesto é obrigação

A sociedade como um todo precisa visualizar a corrupção como um mal, jamais como a esperteza de uns contra a burrice de outros. Ser honesto é obrigação de todos e não um mérito. Como é possível um sujeito comprar um carro zero (apenas para ilustrar) levando ao vendedor uma maleta cheia de dinheiro em espécie e, em lugar das autoridades serem notificadas, esse cliente passa ser considerado VIP.

 

Pagar a conta de um jantar caríssimo com dinheiro vivo não desperta, como deveria, a atenção do dono ou gerente do estabelecimento. É a corrupção agindo na atividade privada, por vias indiretas. E não há lei específica para punir o corrupto, quando ele suborna um empregado de empresa privada, por exemplo, para auferir alguma vantagem.

 

 

Penalidades para os crimes

Todos os dias surgem novos crimes de corrupção, mas as figuras típicas incriminadoras (arts. 317 e 333 do Código Penal) continuam com a pena mínima de dois anos de reclusão, que, efetivamente, não resulta em prisão – ao menos ao réu primário, sem antecedentes.

 

Pode-se dizer que a pena máxima atinge 12 anos. Ora, poderia ser uma pena de 30 anos, visto que vigora no sistema judiciário, majoritariamente, a denominada política da pena mínima.

 

Os julgadores tendem a fixar quase sempre o mínimo legal, por variadas razões, uma das quais é o comodismo de não ser obrigado a fundamentar pena acima do mínimo. Logo, para dois anos são cabíveis as penas alternativas, o regime aberto, a suspensão condicional da pena, enfim, benefícios que livram o agente do cárcere.

 

No âmbito nefasto da corrupção, isso também é uma forma de impunidade (pune-se formalmente), mas, na prática, o sujeito termina sem nada a cumprir (como na hipótese de fixação de limitação de fim de semana, sabendo-se não haver no local onde ele reside a Casa do Albergado).

 

Prender o corrupto resolve a questão? Por si só, evidentemente, não. No entanto, da mesma forma que a sociedade tem plena noção acerca da gravidade de certos crimes (roubo, estupro, tráfico de drogas etc.) porque a possibilidade de prisão é elevada, passaria a visualizar na corrupção a mesmíssima gravidade. Corrupção deveria ser crime hediondo há muito tempo.

 

 

Fragilidade da lei anticorrupção

A Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013) é um verdadeiro engodo, pois parece ter sido elaborada para não funcionar. Em primeiro lugar, mascara uma responsabilidade penal da pessoa jurídica como se fosse uma responsabilidade anômala, denominada judicial. Tudo construído para não exigir da empresa corrupta o indispensável dolo, que caracteriza, por óbvio, o crime de corrupção.

 

Em lugar de se achar que isso é medida rigorosa, é o contrário, pois infestar o sistema com leis de questionável constitucionalidade somente prejudica o combate à corrupção, levando o Judiciário a debates que se arrastam por anos, acerca da aplicabilidade de determinada norma. Enquanto se discute o cabimento, crimes prescrevem e o resultado é nulo.

 

Além disso, a referida lei atira nos ombros da pessoa jurídica o rigor fiscalizatório dos seus funcionários e da sua estrutura interna (compliance), como se presumisse a sua desonestidade, algo que o Estado não utiliza, com efetividade, para si mesmo.

 

Nem para fiscalizar as empresas privadas. Se o próprio agente público está voltado para a corrupção, quem vai aplicar a Lei Anticorrupção? Surgem algumas vozes em defesa da atuação das corregedorias da Administração Pública, mostrando estatísticas de servidores afastados. Geralmente, peixes pequenos no mar da corrupção, no qual os tubarões jamais são alcançados internamente.

 

Diante disso, a corrupção, no Brasil, encontra-se erigida em sólidos alicerces, um dos quais é a impunidade.

A solução para o quadro atual é agir em várias frentes ao mesmo tempo:

 

a) alterar a lei elevando, sim, as penas mínimas dos crimes de corrupção, além de considerá-lo hediondo;

 

b) incluir nas escolas matérias e/ou campanhas referentes à ética e ao combate à corrupção;

 

c) promover campanhas estatais de conscientização da população acerca dos males da corrupção, indicando ser errôneo o famoso jeitinho brasileiro (o mesmo que se faz, hoje, em relação ao combate ao turismo sexual);

 

d) promover a criação de uma lei anticorrupção que envolva pessoas físicas e jurídicas, porém, cobrando a responsabilidade penal subjetiva, para permanecer dentro da estrita legalidade e evitar o debate exaustivo sobre a constitucionalidade da responsabilidade objetiva no cenário da corrupção;

 

e) eliminar todo e qualquer foro privilegiado, ao menos para corrupção e organização criminosa;

 

f) aparelhar com eficiência os órgãos estatais de combate à corrupção, em especial a polícia e o Ministério Público, tendo à sua disposição peritos multidisciplinares, com várias especialidades, em particular, contabilidade. O mesmo aparato precisa ser fornecido ao Judiciário.

 

Essas são apenas algumas das medidas que, em nosso entendimento, deveriam ser adotadas. No livro Corrupção e anticorrupção, tecemos várias outras considerações e sugestões para o combate ao crime de corrupção em todas as suas facetas no Brasil.

 

Guilherme Nucci é doutor em Direito Processual Penal, livre-docente em Direito Penal e professor concursado da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na cadeira de Direito Penal. Atualmente é desembargador da Seção Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo.

 

 

 

Conteúdo editado pela LFG, referência nacional em cursos preparatórios para concursos públicos e Exames da OAB, além de oferecer cursos de pós-graduação jurídica e MBA.

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