Entenda a diferença entre injúria racial e crime de racismo

Injúria racial: fotografia de um protesto Black Live Matters
Entenda o que caracteriza o crime de injúria racial!

Você sabia que quando alguém ofende outra pessoa valendo-se de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem, está cometendo injúria racial e não crime de racismo, como muita gente acredita?

Nos últimos tempos foi noticiado que alguns artistas negros foram alvos de xingamentos racistas. Ao final de uma apresentação em Porto Alegre/RS, após se manifestar contra a redução da maioridade penal, o cantor e ator Seu Jorge foi vaiado e, contra ele, foram proferidas palavras como “macaco”. O humorista e influenciador digital Eddy Júnior também relatou ter sofrido agressões dessa natureza por parte de uma vizinha que, para além das palavras de baixo calão, se recusou a utilizar o mesmo elevador que ele.

Ainda mais recentemente, passou a circular nas redes sociais um vídeo em que manifestantes que bloquearam a BR-163, em Santa Catarina, fizeram uma saudação semelhante à ‘Sieg Heil’ (braço e mão direita estendidos e levantados à altura dos ombros) utilizada pelo nazismo.

Não sem motivo, portanto, inúmeras questões se levantaram sobre a possível tipicidade penal de cada uma dessas condutas e como a legislação brasileira seria aplicável aos casos concretos.

Com o objetivo de clarear as dúvidas, preparamos este artigo, destrinchando os seguintes temas:

 Vamos lá?

O que caracteriza o crime de injúria?

Antes de adentrarmos no crime de injúria racial propriamente dito, vamos entender melhor o que caracteriza o crime de injúria.

Inicialmente, é preciso salientar que a injúria está prevista no Capítulo V do Código Penal (CP), que trata “dos crimes contra a honra”. Mas o que é honra?

Segundo o advogado Rodrigo Costa, “a honra, a saber, é um conjunto de atributos morais, físicos e intelectuais que fazem da pessoa merecedora de respeito para si e para sua comunidade. Em princípio, tal honra pode ser classificada em objetiva e subjetiva. Esta, é a autoestima, o amor-próprio, o conceito que a pessoa tem de si mesmo, aquilo que ela acredita sobre seus atributos; aquela, é a reputação, a fama, o conceito que a sociedade tem do indivíduo, aquilo que terceiros acreditam sobre seus atributos.”

O crime de injúria está previsto no art. 140 do CP, senão vejamos:

 Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

        Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.

Na injúria, portanto, ao contrário de outros crimes contra a honra, não há a imputação de fatos sobre alguém, mas sim de uma característica negativa, violando a honra subjetiva da vítima através de xingamentos ou palavras negativas sobre seus atributos morais, físicos e/ou intelectuais, afetando-lhe diretamente a autoestima.

Viola a dignidade de outrem quem viola seus atributos morais, por exemplo, ao chamá-lo de mentiroso. Já o decoro é relacionado aos atributos físicos e intelectuais de alguém. Um tipo de injúria relacionado ao decoro seria, por exemplo, se referir a alguém como “loira burra”.

Ainda segundo o advogado Rodrigo Costa, “podemos concluir que a injúria tem como requisitos:

  •         imputação de uma característica negativa;
  •         ofensa dirigida a determinada pessoa;
  •         deve haver a intenção de ofender.”

O que é injúria racial?

A injúria racial está prevista no parágrafo 3º do mesmo art. 140 do CP:

 Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

(…)

  • 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:    

Pena – reclusão de um a três anos e multa.    

Como ensina o Ministério Público do Paraná, em sua cartilha sobre o tema, “o crime de injúria racial é um dos crimes contra a honra e ocorre quando há ofensa à dignidade de alguém com o emprego de elementos ou palavras depreciativas referentes à raça e à cor, com a intenção de insultar a vítima.”

O humorista Eddy Júnior, por exemplo, que foi chamado por sua vizinha de “urubu” e “demônio preto”, e o cantor Seu Jorge, que ouviu da própria plateia o xingamento “macaco” foram vítimas de injúria racial.

Qual a diferença entre injúria racial e racismo?

Como dito acima, o crime de injúria racial está previsto no art. 140, §3º do Código Penal. Já o crime de racismo foi tipificado em legislação específica: Lei Federal nº 7.716/1989.

Além da fonte legal, segundo o Conselho Nacional de Justiça, o que determina essa diferença é a forma de manifestação do preconceito. Uma é direcionada a um indivíduo apenas por meio de ofensas verbais e até mesmo via redes sociais, como tem acontecido muito nos últimos tempos. Já a outra atinge uma coletividade indeterminada de indivíduos, discriminando toda a integralidade de uma raça.

Geralmente o crime de racismo refere-se a condutas mais amplas como, por exemplo, por razões relativas à cor, raça, etnia, religião ou procedência nacional, recusar ou impedir o acesso a um estabelecimento comercial, impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e a elevadores ou escadas de acesso, negar ou obstar emprego em empresa privada, entre outros.

O caso citado acima, ainda em investigação pelo Ministério Público de Santa Catarina, em que um grande grupo de pessoas foi visto, supostamente, reproduzindo a saudação nazista “Sieg Heil”, notadamente ofende as coletividades afetadas pela política nazista das décadas de 1930 e 1940, como judeus, negros, homossexuais e pessoas com deficiência.

Neste caso, a conduta se enquadraria no §1º, do art. 20 da Lei 7.716/89:

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Pena: reclusão de um a três anos e multa.

  • 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo.

Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.

Outra diferença entre os crimes de injúria racial e racismo é a quem caberá a legitimidade ativa para denunciar e processar os crimes. Enquanto no caso da injúria racial a vítima costuma ser uma pessoa, que deverá, ela mesma, denunciar a representar contra o ofensor, nos crimes de racismo o Autor da Ação Penal será o Ministério Público, em representação da coletividade ofendida.

Ademais, há de se destacar que, embora o crime de racismo seja imprescritível e inafiançável, o mesmo não se aplica para o crime de injúria racial. A diferença está justamente na fonte que tipifica a conduta. 

O Doutor em Direito, professor, advogado e ativista negro Irapuã Santana do Nascimento Silva explica: 

“Como o crime de injúria está previsto no Código Penal, as pessoas falaram: olha, se tá fora da lei de crime de racismo, ela não pode ser colocada como um crime imprescritível e inafiançável. Veio daí essa diferenciação, mas, na verdade, se a gente for pegar tudo na origem, era tudo equiparado”. 

No ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em um caso específico, que o crime de injúria não é prescritível.

“O Supremo fez esse julgamento dentro de um processo que era de habeas corpus, então esse tipo de julgamento não irradia para outras matérias, só cria efeitos para aquele processo. Existe agora a ação, que é a Ação Direta de Inconstitucionalidade, que é justamente para colocar esse entendimento para todo o ordenamento jurídico. Por enquanto, continua da mesma forma: injúria racial é afiançável e prescritível; e o crime de racismo é imprescritível e inafiançável.”

O Acontece resumiu algumas das principais diferenças entre injúria racial e racismo:

  • A Injúria racial está prevista no artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal e o crime de racismo, na Lei n. 7.716/1989;
  • A injúria estabelece a pena de reclusão de um a três anos e multa, além da pena correspondente à violência, para quem cometê-la. Já o crime de racismo é inafiançável e imprescritível;
  • De acordo com o dispositivo, injuriar seria ofender a dignidade ou o decoro utilizando elementos de raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. Já o crime de racismo implica conduta discriminatória dirigida a determinado grupo ou coletividade. 

Para testar seu conhecimento: questões de concurso sobre o tema

1)  Instituto AOCP 2014 / Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares – EBSERH EBSERH – BR / Advogado / Questão: 30

Assinale a alternativa INCORRETA.

  1. a) A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.
  2. b) A lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais
  3. c) A prática do racismo constitui crime inafiançável e prescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.
  4. d) A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.
  5. e) Constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.

2)  Instituto Brasileiro de Formação e Capacitação – IBFC 2022 / Polícia Civil da Bahia PC BA – BA / Escrivão de Polícia / Questão: 26

No escopo da promoção da igualdade racial e gênero, muitos são os dispositivos legais que compõem o ordenamento jurídico penal. Sendo assim, numere a COLUNA II de acordo com a COLUNA I, fazendo a relação entre elas.

COLUNA I

1) Decreto nº 4.377, de 13 de setembro de 2002.

2) Lei Federal nº 7.437, de 20 de dezembro de 1985.

3) Lei Federal nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989.

4) Lei Federal n° 9.455, de 7 de abril de 1997.

5) Lei Federal nº 11.430, de 7 de agosto de 2006.

6) Decreto Federal n° 65.810, de 08 de dezembro de 1969.

COLUNA II

( ) Promulga a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979, e revoga o Decreto nº 89.460, de 20 de março de 1984.

( ) Define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.

( ) Define os crimes de tortura e dá outras providências.

( ) Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências.

( ) Promulga a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial.

( ) Inclui, entre as contravenções penais a prática de atos resultantes de preconceito de raça, de cor, de sexo ou de estado civil, dando nova redação à Lei nº 1.390, de 3 de julho de 1951 – Lei Afonso Arinos.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta.

  1. a) 1, 3, 4, 5, 6, 2
  2. b) 2, 3, 4, 6, 5, 1
  3. c) 1, 2, 4, 5, 6, 3
  4. d) 2, 4, 3, 5, 1, 6
  5. e) 1, 5, 4, 3, 6, 2

3)  MPE – RS – Ministério Público do Rio Grande do Sul 2012 / Ministério Público do Rio Grande do Sul MPE RS – RS / Promotor de Justiça / Questão: 77

Dorvalina encontrou-se com seu ex-companheiro Plutarco na via pública de Estância Velha, tendo este dirigido-lhe várias agressões verbais, chamando-a de “preta suja, prostituta, vagabunda, traficante”, etc. Imediatamente a vítima dirigiu-se à Polícia Civil e, munida de cópia do Boletim de Ocorrência, procurou seu advogado. Posteriormente, a queixa-crime foi oferecida, amparada no art. 140 do Código Penal, acompanhada do boletim policial e de uma procuração com a cláusula ad judicia. O Magistrado, antes de qualquer decisão, deu vista ao Ministério Público, que deve postular

  1. a) a rejeição da queixa-crime para que possa oferecer denúncia.
  2. b) o prosseguimento da ação, determinando à Polícia que forneça mais elementos do evento a partir da notitia criminis.
  3. c) a rejeição da queixa-crime por vício de representação.
  4. d) o prosseguimento da ação com a retificação de que se trata de injúria racial, ou qualificada, prevista no § 3°, do art. 140, do Código Penal.
  5. e) o prosseguimento da ação, com a realização da audiência de conciliação.

4)  Coordenadoria de Processos Seletivos da Universidade Estadual de Londrina – COPS UEL 2013 / Polícia Civil do Paraná PC PR – PR / Delegado de Polícia / Questão: 81

Quantos aos crimes de racismo definidos na Lei nº 7.716/1989, assinale a alternativa correta.

  1. a) A incitação pública ao racismo constitui delito de incitação ao crime definido no Art. 286 do Código Penal, não havendo na referida Lei disposição sobre tal conduta.
  2. b) No caso de incitação ou induzimento ao preconceito racial praticado através da rede mundial de computadores, poderá o juiz determinar a interdição da mensagem ou página de informação.
  3. c) São crimes de ação penal pública condicionada, dependendo de representação da vítima para propositura da ação penal.
  4. d) A injúria qualificada pelo preconceito racial é crime definido na referida Lei, não se aplicando o crime de injúria definido no Art. 140 do Código Penal.
  5. e) Não constitui crime definido na referida Lei o empregador que, motivado pelo preconceito racial, não conceder os equipamentos necessários ao empregado em igualdade de condições com os demais trabalhadores.

Gabarito

1) C

2) A

3) C

4) B

Esperamos que tenha gostado do conteúdo sobre injúria racial! Que tal aproveitar e aprofundar seus conhecimentos sobre Leis que visem a proteção de minorias, com este artigo sobre o Estatuto do Idoso?

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