O caso do menino Bernardo Boldrini chocou o país quando este foi assassinado em abril de 2014, aos 11 anos de idade, pela madrasta.
De forma cruel, uma mistura de sedativos aplicada culminou em overdose por superdosagem de um medicamento.
O ocorrido gerou tanto repercussão e discussão sobre a proteção das crianças e dos adolescentes, que ocasionou a alteração do ECA com a “Lei Menino Bernardo”.
Para entender sobre o caso, leia este post!
Quem foi Bernardo Boldrini?
Bernardo Uglione Boldrini nasceu em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, no dia 06 de setembro de 2002. Ele morava em Três Passos, RS, com o pai, Leandro Boldrini e a madrasta, Graciele.
O menino tinha apenas 11 anos quando foi assassinado.
Como mataram Bernardo Boldrini?
Bernardo foi assassinado pela madrasta, Graciele Ugulini, que ministrou uma superdosagem do medicamento Midazolam (prescrito para sedação; ajuda a diminuir a atividade anormal e excessiva das células nervosas, acalmando o cérebro).
O medicamento é utilizado em procedimentos como endoscopia, por exemplo e, se ministrado em doses elevadas, pode retirar a capacidade respiratória do organismo.
O medicamento foi aplicado inicialmente por via oral e, posteriormente, por via intravenosa. Após a realização da perícia, foi constatada a presença do fármaco no fígado, nos rins e no estômago do garoto.
O fato ocorreu no dia 4 de abril. Dois dias depois, em 6 de abril, Bernardo foi declarado como desaparecido e o desaparecimento foi comunicado às autoridades policiais.
Onde foi encontrado Bernardo Boldrini?
O corpo de Bernardo foi localizado somente no dia 14 de abril, sem roupas, numa cova feita em um matagal, em Frederico Westphalen, a 80 km de Santa Maria, onde residia com a família.
Segundo as autoridades policiais, o corpo havia sido enrolado em saco plástico e enterrado às margens do rio Mico. A cova teria sido cavada 2 dias antes do assassinato.
Antes de fecharem a cova e, já com o corpo do garoto dentro, a madrasta jogou soda cáustica no corpo da criança.
Nas investigações, foram localizadas imagens de câmeras de segurança, bem como cupons fiscais. Demonstrou-se assim que a madrasta e sua amiga e cúmplice Edelvânia, que também foi indiciada, compraram o remédio Midazolam, soda cáustica e ferramentas, como pá.
O local onde Bernardo foi encontrado, no dia 14 de abril, virou uma espécie de “santuário”. Até hoje, a comunidade local e do Norte do Estado se dirigem às margens do rio Mico para deixar mensagens, flores e orações.
Quem foi condenado no caso Bernardo Boldrini?
Após quase 5 anos do ocorrido, os réus foram finalmente a julgamento pelo Tribunal do júri, em 2019, na Comarca de Santa Maria, no Rio Grande do Sul.
O pai de Bernardo, Leandro Boldrini foi condenado a 33 anos e 8 meses de prisão em regime fechado, por homicídio quadruplamente qualificado e ocultação de cadáver.
A madrasta, Graciele Ugulini, foi condenada a 34 anos e 7 meses de prisão em regime fechado, por homicídio quadruplamente qualificado e ocultação de cadáver.
Ambos chegaram a argumentar, em momento anterior ao crime, que o garoto estava atrapalhando o relacionamento do casal.
Edelvânia, amiga do casal e pessoa diretamente envolvida no crime, foi condenada a 22 anos e 10 meses de prisão em regime fechado, por homicídio triplamente qualificado e ocultação de cadáver.
Evandro, irmão de Edelvânia, que ajudou a cavar a cova e a ocultar o cadáver, chegou a pegar 9 anos e 6 meses em regime semiaberto, por homicídio simples e ocultação de cadáver.
Porque o julgamento de Leandro Boldrini, pai de Bernardo, foi anulado?
Em dezembro de 2021, os advogados do réu Leandro Boldrini, pai de Bernardo, entraram com recurso para que um novo julgamento fosse feito.
Por quatro votos a três, o recurso foi acolhido pelos os desembargadores do 1º Grupo Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
O desembargador Honório Gonçalves da Silva Neto, na argumentação do voto, afirmou que “o promotor de Justiça não realizava perguntas, mas sim argumentações na ocasião do interrogatório de Leandro“.
Ele ainda afirma que “a acusação, contando com a complacência da magistrada, não se limitou a formular perguntas, senão que, em dado momento, se valeu da oportunidade da realização de questionamentos, contestando declarações anteriores prestadas pelo réu, fazendo alusão a dados informativos que, no seu entender, as contrariavam, afirmando que esse não falava a verdade”.
De acordo com o Processo nº 70084928159 e ainda segundo o voto do Relator:
“Inafastável, assim a conclusão de que houve quebra da paridade de armas, pois não teve a defesa a oportunidade de se contrapor à argumentação que não poderia ser deduzida por ocasião do ato processual que se realizava, afigurando-se evidente o prejuízo suportado pelo réu, com a utilização do interrogatório para antecipação da acusação, sem que fosse viável o contraditório que, diferido (para os debates), não repôs a igualdade entre as partes.”
Contudo, muito embora o julgamento de Leandro Boldrini tenha sido anulado em 10 de dezembro de 2021, o réu segue preso, aguardando novo julgamento — que já tem data definida!
Quando será o novo julgamento de Leandro Boldrini?
O Juízo da Comarca de Três Passos já determinou a data do novo julgamento de Leandro: 20 de março de 2023, que será realizada na 1ª Vara Judicial da Comarca, pela até então Juíza de Direito Sucilene Engler Audino.
Na decisão, a Juíza destacou a necessidade de organização de logística:
“Considero, ainda, que uma sessão de julgamento desse porte, incomum em uma Comarca do porte de Três Passos, exige enorme esforço em várias frentes, seja de servidores lotados na própria Comarca, seja do próprio Tribunal de Justiça, por meio de licitações e instalação de equipamentos de internet, por exemplo“.
O novo julgamento se dará através do Tribunal do Júri. O sorteio dos jurados ocorrerá no dia 15 de fevereiro de 2023, às 14 horas.
O que diz a Lei do Menino Bernardo?
A Lei nº 13.010, de 26 de junho de 2014 trata da alteração da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (ECA — Estatuto da Criança e do Adolescente) que estabelece:
“o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante, e altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996”.
Por sua vez, a Lei 9.394/96 estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
Contudo, antes de adentrarmos no assunto propriamente dito, é necessário reforçar que o Estatuto da Criança e do Adolescente é considerado pelos juristas, pela doutrina e afins como um dos textos mais avançados da América Latina no que se refere às garantias e defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes.
Entretanto, face ao crescente e assustador avanço da violência contra as crianças e adolescentes no país, e face à responsabilidade das autoridades competentes e da sociedade em relação à esse público vulnerável, o legislador se viu obrigado a alterar o ECA, de forma a “apertar” a legislação e suas punições.
De acordo com João Aguirre, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família em São Paulo (IBDFAM-SP), especialista em Direito Processual Civil e professor da rede LFG, tal alteração veio para estabelecer o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem castigos físicos, com regimentos principais nos artigos 18-A e 18-B, a saber:
Principais alterações no ECA
“Art. 18-A. A criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los.
Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se:
I – Castigo físico: ação de natureza disciplinar ou punitiva aplicada com o uso da força física sobre a criança ou o adolescente que resulte em:
a) sofrimento físico; ou
b) lesão;
II – Tratamento cruel ou degradante: conduta ou forma cruel de tratamento em relação à criança ou ao adolescente que:
a) humilhe; ou
b) ameace gravemente; ou
c) ridicularize.”
“Art. 18-B. Os pais, os integrantes da família ampliada, os responsáveis, os agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou qualquer pessoa encarregada de cuidar de crianças e de adolescentes, tratá-los, educá-los ou protegê-los que utilizarem castigo físico ou tratamento cruel ou degradante como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto estarão sujeitos, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, às seguintes medidas, que serão aplicadas de acordo com a gravidade do caso:
I – encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família;
II – encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;
III – encaminhamento a cursos ou programas de orientação;
IV – obrigação de encaminhar a criança a tratamento especializado;
V – advertência.
Parágrafo único. As medidas previstas neste artigo serão aplicadas pelo Conselho Tutelar, sem prejuízo de outras providências legais.”
“A ideia é evitar que o abuso venha a ocorrer com graves consequências à integridade física, psíquica, ou moral da criança e adolescente”, complementa o professor.
Em função primordial, a Lei do Menino Bernardo assegura que tanto a criança como o adolescente não sofram nenhuma forma de punição que seja degradante, que implique em correção por castigo físico ou humilhação, acarretando em sofrimento físico ou lesão.
“O tratamento cruel ou degradante refere-se também a qualquer tipo de pressão psicológica ou terror que a criança ou o adolescente possam sofrer”, complementa o professor.
O caso narrado acima, acerca do assassinato do menino Bernardo teve influencia direta em tais alterações. Anteriormente conhecida como “Lei da Palmada”, hoje é também conhecida como “Lei Menino Bernardo”, em sua homenagem.
Qual a responsabilidade dos governantes em relação aos castigos degradantes?
O Art. 70-A do ECA, adicionado pela Lei 13.010 de junho de 2014, dispõe a responsabilidade da União, dos Estados, Distrito Federal e Municípios para elaborar e executar políticas públicas, a fim de coibir o uso de castigo físico ou tratamento cruel ou degradante.
O Art. 70-A ainda determina que também é de responsabilidade destes a difusão de formas não violentas de educação, a saber:
“Art. 70-A. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão atuar de forma articulada na elaboração de políticas públicas e na execução de ações destinadas a coibir o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante e difundir formas não violentas de educação de crianças e de adolescentes, tendo como principais ações:
I – a promoção de campanhas educativas permanentes para a divulgação do direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos;
II – a integração com os órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, com o Conselho Tutelar, com os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente e com as entidades não governamentais que atuam na promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente;
III – a formação continuada e a capacitação dos profissionais de saúde, educação e assistência social e dos demais agentes que atuam na promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente para o desenvolvimento das competências necessárias à prevenção, à identificação de evidências, ao diagnóstico e ao enfrentamento de todas as formas de violência contra a criança e o adolescente;
IV – o apoio e o incentivo às práticas de resolução pacífica de conflitos que envolvam violência contra a criança e o adolescente;
V – a inclusão, nas políticas públicas, de ações que visem a garantir os direitos da criança e do adolescente, desde a atenção pré-natal, e de atividades junto aos pais e responsáveis com o objetivo de promover a informação, a reflexão, o debate e a orientação sobre alternativas ao uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante no processo educativo;
VI – a promoção de espaços intersetoriais locais para a articulação de ações e a elaboração de planos de atuação conjunta focados nas famílias em situação de violência, com participação de profissionais de saúde, de assistência social e de educação e de órgãos de promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente.”
Posteriormente, em 2022, foram adicionados outros incisos ao art. 70-A, a partir da Lei nº 13.344 de 2022.
O que diz a Constituição Federal sobre os direitos das crianças e dos adolescentes?
É notório que a busca pela educação e criação de crianças e adolescentes é de responsabilidade de todos — família, sociedade e Estado. Assim dispõe a própria Constituição Federal, a saber:
“Artigo 227: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao lazer e à profissionalização, à liberdade, ao respeito, à dignidade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
§ 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos:
I – aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil;
II – criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação.”
Um tapinha não dói?
É comum ouvir de alguns pais que “no meu tempo, não tinha problema dar alguns tapinhas para que a criança aprendesse”. No entanto, esse tipo de atitude expõe as crianças e adolescentes ao sofrimento físico.
“Se o caso tem uma lesão aparente e fica literal a violência física, os pais devem sofrer as consequências diante da Lei”, explica Aguirre. No entanto, outras medidas podem expor a criança à humilhação.
“Um vídeo em que a criança apareça dançando funk, ou na boquinha da garrafa, por exemplo ou mesmo fazendo algum tipo de graça ou sofrendo algum trote, pode ser uma forma de ridicularizá-la, o que é condenado pela Lei”, acrescenta.
Esse tipo de exposição pode, além de tudo, invadir a privacidade daquela criança ou adolescente. Outro ponto está no monitoramento de celulares.
“Se meu filho de 14 anos tem um celular e eu quero saber o que ele está vendo ou conversando com outras pessoas, até que ponto também não estarei invadindo sua privacidade?”, diz.
São questões muito particulares que devem ser estudadas caso a caso. O professor explica que existe no Código Civil brasileiro o respaldo para a perda do poder familiar, em relação aos pais que castigarem imoderadamente seus filhos.
“Entretanto, não é qualquer tipo de castigo que pode ser levado ao extremo. Por exemplo, o fato de tirar o videogame do filho como forma de castigo, não deve ser motivo para a perda do poder familiar dos pais”, complementa.
Um caso famoso, segundo o professor, foi o de uma procuradora aposentada que torturava a filha adotiva, de apenas dois anos. Diante da denúncia de seus funcionários, a procuradora foi indiciada, perdendo o poder familiar e a responsabilidade sobre a criança, bem como o direito de adotar outra pessoa.
Foragida durante quase seis anos, a procuradora Vera Lúcia de Sant’anna Gomes foi presa em janeiro de 2019.
O que aconteceu com a procuradora Vera Lúcia de Sant’anna Gomes?
AVISO: Este tópico contém informações sobre agressão a menores e deve ser evitado por pessoas sensíveis.
No ano de 2010 veio a público o acontecimento envolvendo a Procuradora aposentada Vera Lúcia de Sant’anna Gomes, que espancava uma criança que pretendia adotar, de apenas 2 anos.
Na época da denúncia a procuradora ainda tinha a guarda provisória da menor.
No dia de 15 de maio de 2010, após denúncia de maus tratos, o Conselho Tutelar retirou a criança da residência da procuradora aposentada, que foi levada presa também no mesmo dia.
Para o juiz que conduziu o processo, Mário Henrique Mazza, da 32ª Vara Criminal do Rio, “uma das evidências mais sólidas da condição a que era submetida a vítima está no Auto de Inspeção Judicial assinado pela juíza em exercício na Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Capital, bem como pela promotora de Justiça e equipe técnica que lá atuam”.
“Neste laudo é retratado o estado deplorável em que se encontrava a vítima no exato momento em que a magistrada chegou na residência da ré, após receber denúncias de que a criança era constantemente espancada por sua guardiã”.
O juiz ainda explica que a gravidade da situação “foi demonstrada ainda por fotos tiradas na mesma data, onde a vítima aparece com múltiplas lesões provocadas por ação contundente, principalmente no rosto e na região dos olhos, parecendo que a criança tinha acabado de sair de uma luta de boxe”.
Dois meses depois, Vera foi condenada a 8 anos e 2 meses, em regime fechado, na primeira instância. Em recurso, a pena foi reduzida para 5 anos e 5 meses em regime semiaberto.
Após obter um habeas corpus, uma semana depois da redução da pena, a procuradora foi solta. Contudo, quando foi determinado que ela começasse a cumprir a pena, em maio de 2016, constatou-se que a procuradora estava foragida.
No dia 17 de janeiro de 2019 a procuradora foi encontrada em seu apartamento em Ipanema, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Vera Lúcia ainda continua presa.
Castigo e ameaça: existe diferença?
Diante da Lei é o que se chama conceito indeterminado. Assim, é necessário definir o que foi castigo, o que foi ameaça.
“Se você chegar e falar para a criança não faça ‘isso’ porque não é legal. Se trata de um castigo físico? Não”, explica João Aguirre.
Essa é chamada cláusula aberta, por se tratar de uma norma aberta. O juiz analisa todo o caso”, exemplifica.
Assim, o juiz é o responsável por verificar, diante dos fatos, o que é castigo imoderado. Trata-se do caso concreto; da ação e reação.
“Outro exemplo que pode ilustrar bem o que é caso a caso: digamos que um adolescente esteja agredindo sua mãe e o pai e outra pessoa o agrida para defendê-la. Pode ser considerado legítima defesa? A casuística tem que ser analisada”.
Portanto, de acordo com o professor, não há o que define propriamente o que é castigo físico; o que seria esse imoderadamente. “A ideia é não usar a força física de forma a causar sofrimento ou lesão”, complementa.
A necessidade da Lei surgiu, além disso, para que a criança e o adolescente também fossem enxergados como pessoas de direitos e não como objetos de proteção.
Anteriormente existia uma Lei Menorista, em que estes sujeitos não tinham os mesmos direitos de uma pessoa adulta.
“Isso dava total liberdade para que o adulto pudesse educar e agir da forma que bem entendesse sobre a educação e formas de correção dos filhos. Quem definia os direitos da criança e do adolescente eram os pais”, explica.
Só que existe o menor de idade que foi abandonado, o menor que cometeu algum delito, o menor que ficou órfão, entre outros exemplos. E estes não estavam abarcados nesta situação, onde um adulto define sobre seu destino ou mesmo punição.
E se esse menor fosse vítima de abuso, maus tratos, humilhação, entre outras situações, a Constituição Federal não o protegia como cidadão detentor de seus direitos. Com a CF de 88 havia uma doutrina de proteção integral.
“Com o ECA uma virada de 180º ocorreu, e aquele que estava sob a proteção integral dos pais ou responsáveis passou a ser tratado como sujeito”, diz o professor Aguirre.
O professor explica que a mudança foi muito importante, porque o foco deixou de ser somente naquele menor que estava em situação irregular e passou a ser em qualquer criança e qualquer adolescente.
“Além de serem titulares de todos os direitos que a pessoa adulta tem, ainda há uma vantagem: uma tutela prioritária”, afirma Aguirre.
De acordo com o professor, é preciso deixar claro que a criança e tampouco o adolescente não são propriedades dos pais, e seus interesses devem ser preservados prioritariamente.
Além disso, quando esse poder de quem educa passa a ser um ataque emocional, entra no quesito de ser degradante com esta criança ou adolescente. “Os pais têm o dever de zelar pelos filhos, mas não de super protegê-los e ‘coisificá-los’.
Os filhos deixaram de ser objeto de proteção para serem titulares de direitos”, finaliza.
Maus tratos X tortura: qual a diferença?
Segundo a jurisprudência majoritária, o que difere maus tratos de tortura é o propósito do agente.
“Nos maus tratos o objetivo é a simples correção ou disciplina. Na tortura é o castigo pessoal ou a medida de caráter preventivo. O intenso sofrimento da vítima, físico ou mental, caracteriza tortura quando imposto como castigo pessoal” TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA. TJ-SC. Apelação Criminal: ACR SC 2006.043117-9.
Para Mario Henrique Mazza, da 32ª Vara Criminal do Rio, que conduziu o caso da Procuradora aposentada Vera Lúcia Sant’anna Gomes, condenada por maus tratos:
“Quando o agente tem o desejo de corrigir, embora o meio empregado tenha sido desumano e cruel, o delito é de maus tratos. Se a conduta é a de fazer castigar, por prazer, ódio ou qualquer sentimento vil, então ela pode ser considerada tortura”
“Em outras palavras, no crime de tortura não há qualquer finalidade educativa ou corretiva. O dolo é de dano, consistente em impor um castigo pessoal, através da submissão da vítima a intenso sofrimento físico ou mental. Já nos maus tratos, o dolo é de perigo, punindo a lei apenas o exercício imoderado ou o excesso na aplicação do ius corrigendi”, explica o magistrado.
Conclusão
Os temas abordados acima são de extrema importância. Mas também são polêmicos e delicados, ao passo que entram na esfera pessoal e íntima das famílias e interferem diretamente na forma de criação e educação dos pais com seus filhos.
Mas uma coisa é certa: ao Estado, nas suas esferas municipais, estaduais e federais, cabe o dever de atuar na elaboração de leis e políticas públicas destinadas à proteção integral das crianças e adolescentes.
Às famílias e sociedade, cabe respeitar essas mesmas crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e deveres, em sua forma mais integral, garantindo-lhes sua educação, desenvolvimento e integridade.
O exercício do poder familiar está intimamente e diretamente ligado ao respeito e garantia dos direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes.
Esperamos que tenha gostado deste conteúdo sobre a Lei Bernarndo Boldrini! Que tal conferir também nosso texto que explica se bullying é crime?