O usucapião é um dos temas mais polêmicos do ramo jurídico, e o presente artigo tem como objetivo explorar este instituto no contexto brasileiro.
O usucapião possui relevância tanto do ponto de vista social, ao garantir a segurança jurídica e a regularização fundiária, como do ponto de vista econômico, ao possibilitar a utilização de bens ociosos ou abandonados.
Neste artigo, serão abordados os conceitos, os requisitos, os elementos e as modalidades necessárias para a configuração e o reconhecimento do usucapião. Confira!
O que é usucapião?
A palavra usucapião origina-se do latim usucapio, que significa adquirir pelo uso. Ou seja, após utilizar algo por muito tempo o usuário acaba conquistando o direito à propriedade do bem em questão.
“Dessa maneira, a usucapião é um modo de aquisição de propriedade e de outros direitos reais (usufruto, uso, habitação, enfiteuse, servidões prediais, etc) pela posse prolongada da coisa (bens móveis e imóveis) com a observância dos requisitos legais”, explica o registrador civil e notário, Adriano Álvares.
O usucapião é uma forma de aquisição originária da propriedade, porque não pressupõe relação intersubjetiva entre aquele que detinha a posse e o novo possuidor.
Diferentemente das formas de aquisição derivada, como a compra e venda, doação ou herança, o usucapião se baseia no critério temporal e na posse mansa e pacífica do bem por um determinado período de tempo.
Ao cumprir os requisitos estipulados, o possuidor adquire o direito de ser reconhecido como o legítimo proprietário, independentemente da existência de uma relação contratual ou de transferência formal do título de propriedade.
É necessário esclarecer que a sentença judicial que declara a usucapião não cria o direito em si, mas apenas o reconhece. A decisão judicial confirma o direito adquirido por meio do cumprimento dos requisitos legais estabelecidos para a usucapião.
Isso significa que a sentença de reconhecimento de usucapião tem natureza declaratória. Seu objetivo principal é regularizar um fato já consolidado. Ou seja, regularizar a situação de posse e transformá-la em propriedade em virtude do cumprimento dos requisitos legais.
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O que pode ser objeto de usucapião?
O usucapião é uma figura jurídica que pode ter por objeto tanto coisas móveis quanto imóveis. O instituto engloba qualquer tipo de bem físico e corpóreo, conforme a visão materialista adotada pelo Código Civil.
No entanto, é importante ressaltar que o usucapião não é aplicável quando o bem em questão está vinculado à satisfação do interesse público. Ou seja, quando sua utilização está relacionada para fins de utilidade pública.
Isto significa, em outras palavras, que os imóveis públicos não são suscetíveis de usucapião. O artigo 102 do Código Civil proíbe que qualquer bem público, inclusive os móveis, seja passível de usucapião.
Além disso, de acordo com o artigo 183, parágrafo 3º, da Constituição Federal, os imóveis públicos não podem ser adquiridos por meio de usucapião, mesmo que atendam aos requisitos estabelecidos para a posse e detenção de propriedade urbana.
Essa restrição se baseia na ideia de preservar o interesse coletivo sobre o patrimônio público. Por isso, parte da doutrina defende que mesmo os bens móveis particulares não poderiam ser alvo de usucapião, caso estivessem sendo utilizados para satisfazer interesses públicos primários.
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Quais são os requisitos do usucapião?
Confira a seguir os elementos essenciais e acidentes do usucapião:
Elementos Essenciais
O usucapião possui elementos que são essenciais, ou seja, que são imprescindíveis para que o usucapião seja constituído. São eles a posse e o tempo.
A quantidade de tempo necessária para configurar o usucapião varia entre 5 e 15 anos, conforme a modalidade do usucapião.
Para ser apta a gerar usucapião, a posse precisa ser mansa e pacífica.
A posse mansa e pacífica refere-se à forma como a posse de um bem é exercida, caracterizada pela ausência de contestações, conflitos ou oposições por parte de terceiros. Ela se baseia na ideia de que o possuidor usufrui do bem de maneira tranquila, sem enfrentar resistência, litígios ou ou disputas quanto à sua posse.
Além disso, a posse precisa ter dois elementos: o elemento objetivo e o elemento subjetivo. O elemento objetivo é o bem em si, materialmente falando (“corpus”).
Por sua vez, o elemento objetivo da posse é a característica do “animus domini”, um termo jurídico que se refere à intenção de possuir um bem como se fosse o verdadeiro proprietário. Em outras palavras, trata-se da posse exercida com a convicção de que se detém o direito de propriedade sobre o objeto em questão.
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Elementos Acidentais
Além dos elementos essenciais, o usucapião possui dois elementos acidentais, que podem ou não estar presentes. Estes elementos acidentais e sua presença impactam na configuração das modalidades de usucapião.
Os elementos acidentais do usucapião são a Boa Fé do possuidor e o Justo Título da Posse.
A Boa Fé do possuidor é considerada sob o aspecto subjetivo. Por sua vez, para efeitos de usucapião, o justo título é a causa que, em tese, tem potencialidade para se transferir a propriedade. Ela terá aparência de adequação.
Assim, a posse com justo título e boa fé é considerada posse qualificada, enquanto a posse com má fé e sem justo título é menos qualificada e exigirá mais tempo para se configurar.
Exemplos de posse qualificada, neste sentido são os contratos nulos ou anulados, mas que têm aparência de adequação (ex.: formal de partilha), ou carta de arrematação que contém vício interno mas que tem a potencialidade para produzir efeito translativo.
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Quais são as modalidades do usucapião?
O usucapião possui 5 modalidades, podendo ser:
- Ordinário;
- Extraordinário;
- Especial;
- Administrativo; ou
- Quilombola.
Usucapião Ordinário
O usucapião ordinário é regulamentado pelo artigo 1.242 do Código Civil brasileiro e requer a presença de elementos acidentais, como a boa-fé e o justo título, para que possa ser configurado.
Existem duas modalidades de usucapião ordinário: a simples e a qualificada.
A usucapião ordinária simples exige a posse contínua, exercida de forma mansa e pacífica, pelo prazo de 10 anos, além da presença de justo título e boa-fé. Além disso, é necessário ter um título de aquisição do imóvel, mesmo que não seja válido ou eficaz do ponto de vista jurídico.
Conforme o parágrafo único do artigo 1.242, a usucapião ordinária qualificada é aplicável quando o imóvel foi adquirido de forma onerosa e constava registro em cartório, mas posteriormente o registro foi cancelado, e os possuidores estabeleceram residência ou realizaram investimentos de interesse social e econômico no imóvel, o prazo temporal para a configuração do usucapião é reduzido para 5 anos.
Essa modalidade tem o objetivo de proteger os interesses daqueles que, de boa-fé, investiram em um imóvel com base em um registro regular, mesmo que posteriormente cancelado.
Usucapião Extraordinário
O usucapião extraordinário é uma modalidade de usucapião prevista no artigo 1.238 do Código Civil brasileiro.
Diferentemente de outras modalidades, o usucapião extraordinário não requer a presença de elementos acidentais, como a boa-fé e o justo título. Isso significa que a posse pode ser adquirida, mesmo que provenha de um ato ilícito, gerando posse de má fé e sem justo título.
Existem duas categorias de usucapião extraordinário: a simples e a qualificada.
Na usucapião extraordinária simples, os requisitos são a posse ininterrupta pelo período de 15 anos, exercida de forma mansa e pacífica, com o ânimo de dono.
Nessa modalidade, o possuidor deve ocupar o imóvel de maneira contínua, sem interrupções, por um longo período de tempo, demonstrando a intenção de possuir o bem como proprietário, mesmo sem elementos acidentais como a boa-fé ou o justo título.
Já na usucapião extraordinária qualificada, o prazo exigido é reduzido para 10 anos em certas situações. Isso ocorre quando o possuidor estabelece sua moradia habitual no imóvel ou realiza obras e serviços de caráter produtivo no mesmo.
Essa modalidade valoriza a função social da propriedade, reconhecendo que a posse com finalidade residencial ou produtiva pode ter um impacto positivo na comunidade. Portanto, o prazo para a configuração da usucapião é reduzido para 10 anos nessas circunstâncias.
Usucapião Especial
O usucapião especial possui duas modalidades: rural e urbana.
Usucapião Especial Urbano
O usucapião especial urbano regulariza a posse de imóveis urbanos ocupados de forma mansa e pacífica por um longo período de tempo, desde que sejam cumpridos determinados requisitos.
Na legislação brasileira, o usucapião especial urbano está previsto no artigo 183 da Constituição Federal e regulamentado pelo Estatuto da Cidade, Lei 10.257/2001. Para que seja configurado, é necessário preencher os seguintes requisitos:
- Posse por um período mínimo de 5 anos ininterruptos e sem oposição.
- Área urbana de até 250 m²: O imóvel objeto do usucapião especial urbano deve possuir uma área urbana de até 250 metros quadrados.
- Uso para moradia do possuidor ou de sua família: O imóvel deve ser utilizado como moradia pelo possuidor ou por sua família.
- Não ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural: O possuidor não pode ser proprietário de outro imóvel, urbano ou rural, no momento da solicitação do usucapião.
Usucapião Especial Rural
A legislação pertinente à usucapião especial rural está prevista no artigo 191 da Constituição Federal e é regulamentada pelo artigo 1.239 do Código Civil brasileiro. Para que seja configurado, é necessário preencher os seguintes requisitos:
- Posse mansa e pacífica por um período mínimo de 5 anos ininterruptos.
- Área rural de até 50 hectares: O imóvel rural objeto do usucapião especial deve ter uma área de até 50 hectares (500.000 m²).
- Uso para fins de moradia ou atividade produtiva do possuidor e sua família: A área rural deve ser utilizada pelo possuidor e sua família para fins de moradia ou atividade produtiva.
- Não ser proprietário de outro imóvel rural ou urbano: O possuidor não pode ser proprietário de outro imóvel rural ou urbano, no momento da solicitação do usucapião.
É importante ressaltar que o usucapião especial rural é uma ferramenta para promover a regularização fundiária e a função social da propriedade rural.
A legislação busca assegurar o direito à moradia e estimular a atividade produtiva no campo, permitindo que pequenos agricultores e suas famílias tenham acesso à terra de forma legal.
Usucapião Administrativa
A usucapião administrativa é uma modalidade de aquisição de propriedade prevista no artigo 60 da Lei 11.977, que foi alterada pela lei 13.465.
Diferentemente das outras formas de usucapião, essa modalidade refere-se à possibilidade de o próprio poder público atribuir um título de propriedade de suas próprias áreas aos particulares, funcionando mais como um sistema de regularização urbanística do que como um modelo tradicional de usucapião.
Para que a usucapião administrativa seja concedida, é necessário cumprir alguns requisitos específicos.
Em primeiro lugar, o possuidor deve comprovar a posse do imóvel por um período superior a 5 anos. Além disso, é necessário demonstrar uma vulnerabilidade econômica. Ou seja, a impossibilidade de adquirir uma moradia de forma regular no mercado imobiliário.
A finalidade principal dessa modalidade de usucapião é garantir a satisfação de um dos direitos fundamentais – o direito à moradia, permitindo que pessoas em situação de vulnerabilidade possam ter acesso à propriedade de um imóvel.
Dessa forma, a usucapião administrativa possui um caráter social e tem como objetivo promover a regularização de áreas urbanas ocupadas por particulares, mas que pertencem ao poder público.
Assim, ao atribuir o título de propriedade aos ocupantes, o poder público busca garantir a segurança jurídica e o direito à moradia dessas pessoas, considerando suas condições econômicas e a necessidade de suprir uma demanda habitacional.
Usucapião Quilombola
A Usucapião Quilombola, prevista no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) é uma modalidade de usucapião especial voltada para imóveis situados em áreas rurais ou urbanas que sejam ocupados por comunidades remanescentes de quilombos.
Essa forma de usucapião permite que as comunidades quilombolas adquiram a propriedade da terra que tradicionalmente ocupam, desde que cumpram alguns requisitos.
Entre os requisitos estão a ocupação da área por tempo mínimo de cinco anos antes da promulgação da Constituição de 1988 e a utilização da terra para sua subsistência.
A posse, neste caso, não é apenas material: precisa ser cultural, tradicional e histórica. Por sua vez, o prazo não é especificado em lei, pois é uma posse da qual não se tem notícia ou memória do início.
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