A educação domiciliar, ou homeschooling, voltou a figurar nos noticiários brasileiros. O tema divide opiniões de especialistas e da sociedade civil.
Em setembro de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou inconstitucional a modalidade de ensino domiciliar. No entanto, o Projeto de Lei 3.179 de 2012, atualmente PL 1.388/2022, que autoriza a prática do homeschooling no Brasil, foi aprovado na Câmara dos Deputados e já tramita no Senado Federal.
Uma série de itens constitucionais estão em jogo, caso o Projeto de Lei seja aprovado. De acordo com o professor da Rede LFG, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família em São Paulo (IBDFAM-SP) e especialista em Direito Processual Civil, João Aguirre, trata-se de uma forma de limitar a abertura da sociedade, da convivência dessas crianças e adolescentes.
“Esses direitos estão previstos tanto na Constituição Federal (CF) quanto no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA). Envolve, primeiramente, o direito fundamental à educação, que passa pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de número 9.394, de dezembro de 1996”, complementa.
Por ser um tema polêmico, com grande repercussão, que envolve diversas leis e agentes sociais, o homeschooling pode surgir em questões de concursos públicos e vestibulares. Assim como em provas de redação.
Então, para que você possa conhecer mais sobre o homeschooling, nós preparamos esse artigo. Nele você verá:
- O que é homeschooling?
- Onde surgiu o homeschooling?
- Como funciona o homeschooling?
- Quais os principais aspectos do PL 1.388/2022?
- Qual o entendimento do STF sobre o tema?
- Quais são os pontos negativos do homeschooling?
Tenha uma boa leitura!
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O que é homeschooling?
Homeschooling é um termo em inglês que pode ser traduzido como “ensino escolar em casa”. No Brasil, diversas vezes nos deparamos também com os termos educação doméstica e ensino domiciliar.
O homeschooling é uma modalidade de ensino em que a criança ou adolescente não frequenta a escola. As aulas são ministradas em casa por educadores, tutores ou até mesmo pelos próprios pais.
Os adeptos do homeschooling defendem que essa modalidade confere aos estudantes mais segurança, conforto e qualidade. Além de identificar com mais facilidade as aptidões da criança ou adolescente.
De acordo com a Associação Nacional de Educação Domiciliar (ANED), o homeschooling possui 3 objetivos principais:
- Oferecer uma educação intelectual de qualidade;
- Oferecer uma educação personalizada de acordo com as potencialidades do aluno; e,
- Formar o caráter dos alunos de acordo com os valores dos pais.
Porém, muitos especialistas criticam essa modalidade de ensino como veremos a frente.
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Onde surgiu o homeschooling?
O homeschooling é um modelo de ensino muito antigo e muito comum antes do surgimento das escolas nos moldes que conhecemos hoje.
Entretanto, poucas pessoas tinham acesso a esse tipo de educação. De maneira geral, apenas a elite tinha oportunidade de estudar.
Isso porque os tutores cobravam caro e os filhos das famílias pobres começavam a trabalhar muito cedo. Enquanto os filhos das famílias ricas podiam priorizar os estudos.
Com a popularização das escolas no século XX, o acesso ao ensino tornou-se mais democrático. No Brasil, a Constituição de 1934 foi a primeira Carta Magna no país a destinar um capítulo inteiro para a educação.
A CF de 1934 também tornou obrigatório e gratuito o ensino primário público. Além de estabelecer que uma parte dos orçamentos federal, estadual e municipal deveriam ser destinados ao desenvolvimento e manutenção de sistemas educativos.
Alguns anos depois, entre as décadas de 60 e 60. John Holt, professor da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, criou a ideia de “desescolarização”, que resgatava a prática da educação intelectual fora da escola.
Holt, a partir disso, liderou um movimento internacional de defesa e legalização do homeschooling. Esse movimento foi considerado um marco para a expansão da educação doméstica.
Atualmente, segundo a ANED, existem 60 países em que o modelo é adotado e regulamentado, dentre os principais encontramos:
- Estados Unidos;
- Japão;
- França;
- Itália;
- Espanha;
- Canadá;
- África do Sul;
- Suíça; e,
- Austrália.
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Como funciona o homeschooling?
Como a modalidade de ensino domiciliar ainda não é permitida no Brasil, não existe um modelo correto de aplicação do homeschooling.
Contudo, em países em que a educação doméstica é permitida, os pais ou tutores definem como os filhos vão aprender. Os praticantes da modalidade defendem que o objetivo do homeschooling é que os estudantes aprendam ao invés de decorar os conteúdos.
O homeschooling pode ser realizado a partir do uso de várias ferramentas, como:
- Videoaulas e podcasts;
- Materiais didáticos;
- Plataforma de ensino;
- Parques, exposições e museus;
- Aplicativos, sites e blogs.
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Possibilidades no homeschooling
Existe ainda a possibilidade de se terceirizar a aplicação do homeschooling, através de tutores ou do ensino a distância. Observe:
Tutores ou educadores particulares
Os pais contratam profissionais da educação para que os filhos recebam as mesmas aulas que teriam em uma escola regular. Porém, sem o convívio com outras crianças ou adolescentes.
Geralmente, usa-se material didático específico, elaborado pelo próprio profissional.
Ensino a Distância (EaD)
Essa modalidade de homeschooling já é muito comum no ensino superior. Os pais podem contratar escolas especializadas ou professores particulares que prestam esse serviço. As aulas podem ser gravadas ou ao vivo e os alunos assistem de casa.
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Quais são os pontos negativos do homeschooling?
João Aguirre, professor da rede LFG, diz que a LDB é clara ao determinar que os pais ou responsáveis têm o dever de matricular na rede regular de ensino e ainda a obrigação de zelar pela frequência desse aluno, que é obrigatória.
O professor argumenta que, um dos grandes problemas sobre a educação em casa é que não haverá a fiscalização correta para o cumprimento desses pontos, por exemplo.
“O fato é que a educação em casa não vai ter uma fiscalização que garanta e comprove o aprendizado. Se perder dez anos de sua vida nesta educação, como isso será reposto se não estiver de acordo com os padrões de ensino?”, questiona o professor.
Direito à convivência
Desta forma, o aluno que fosse educado em casa, sairia prejudicado. “Ainda assim, viola um direito fundamental que é o direito à convivência comunitária, que, inclusive, está no ECA no Art. 19”, complementa.
João Aguirre levanta também a questão de outros pontos que esta convivência entre alunos traz para a criança: “A criança na escola aprende a conviver com os outros, a respeitar e também a competir de forma saudável.”
“Esse ideal de felicidade que pode ser criado ao se educar em casa, é muito irresponsável, pois tira da criança a ideia de que nada dá errado. É o máximo do limite de proteção, pois nem todo pai, por exemplo, dará uma nota baixa ao filho”, argumenta.
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Exclusão e aprendizado
Outro ponto desfavorável à educação domiciliar levantado pelo professor João refere-se ao fato que esta criança também estaria criando ambientes de exclusão. “A criança que não frequenta o ambiente escolar não aprende a conviver com as diferenças, com outras pessoas”, diz.
Em complemento, o professor explica que há o fato desta criança não participar de culturas diferentes, por exemplo. “Esse Projeto de Lei não honra as regras e tampouco os preceitos do Ministério da Educação e Cultura (MEC)“, finaliza.
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Riscos e efeitos negativos da educação domiciliar
Em junho de 2022 o Núcleo Ciência Pela Infância (NCPI), uma coalizão que envolve seis organizações, dentre elas a Universidade de Harvard e a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), divulgou um relatório sobre os efeitos do homeschooling no desenvolvimento das criança e adolescentes.
O estudo chegou a sete possíveis efeitos negativos da educação domiciliar para as crianças brasileiras, a partir da análise comparada de estudos internacionais sobre o tema e dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Os 7 efeitos negativos do homeschooling no desenvolvimento infantil são:
- Chances menores de ingresso no ensino superior, em comparação com jovens que frequentaram escolas;
- Renda mais baixa na vida adulta em comparação com jovens que frequentaram escolas;
- Menos oportunidades para convivência com outras crianças ou outros adultos cuidadores;
- Menos força e resistência muscular em relação às crianças que frequentaram a escola;
- Crianças mais vulneráveis a violência ou negligência, pois muitos desses problemas são identificados na escola;
- Maior risco da criança se tornar “invisível” e perder acesso a outros direitos, como Bolsa Família, que exige frequência escolar das crianças para que os pais acessem o benefício.
- Autoconfiança mais baixa do que as crianças que frequentaram escolas.
O estudo também apresenta que retirar as crianças do convívio escolar fere vários de seus direitos. Os efeitos danosos podem perdurar por toda a vida daquele indivíduo. Afinal, a família é crucial para o desenvolvimento educacional dos jovens, mas não pode ser o único.
Com isso, o NCPI chega a 5 conclusões sobre o homeschooling e a realidade do sistema educacional brasileiro:
- A socialização das crianças em espaços coletivos na educação infantil, com outros adultos e crianças, impulsiona o desenvolvimento afetivo e social. É assim que elas conhecem diferentes perspectivas e ampliam seus repertórios sociais e culturais;
- A escola é fundamental para a identificação e encaminhamento de casos de violência, negligência e abuso intrafamiliar;
- Acabar com a obrigatoriedade de frequência escolar de crianças e adolescentes pode aumentar a desigualdade social brasileira;
- A escola é fundamental para efetivar o acesso a diversos direitos e serviços públicos relacionados à saúde e proteção social; e
- A estrutura pública de secretarias federais, municipais e estaduais de educação não conta com recursos técnicos e humanos necessários para supervisionar a qualidade do ensino domiciliar.
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Homeschooling no Brasil
Com a pandemia de covid-19 e, consequentemente, o fechamento das escolas, diversos políticos e autoridades incitaram o debate sobre a legalidade do ensino domiciliar.
Com isso, a despeito do entendimento do STF de 2018 que declarou ilegal o homeschooling, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou o PL 1.388/2022 que regulamenta a modalidade de ensino no Brasil.
A seguir, apresentaremos os principais pontos do projeto de lei. Acompanhe!
Quais os principais aspectos do PL 1.388/2022?
O plenário da Câmara dos Deputados aprovou em 19 de maio de 2022 o Projeto de Lei 1.388/2022, que autoriza a educação domiciliar no Brasil.
O texto ainda será analisado pelo Senado, podendo sofrer alterações. Caso seja alterado, o PL volta para a Câmara. Se for aprovado, deverá ser encaminhado para sanção ou veto do presidente.
O Projeto de Lei sugere uma alteração no entendimento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação. A proposta é que se passe a admitir o homeschooling na pré-escola, ensino fundamental e médio.
Com a alteração da da LDB os pais passariam a ser responsáveis pela educação dos filhos. Porém o projeto prevê algumas exigências, sendo:
- Comprovação de nível superior: ao menos um dos responsáveis deverá ter diploma de nível superior;
- Apresentação de certidões criminais negativas da Justiça Federal, Estadual ou Distrital dos pais ou responsáveis;
- Apresentação de relatórios trimestrais com a relação das atividades pedagógicas realizadas no período;
- Realização de acompanhamento por um docente tutor da instituição autorizada em que a criança estiver matriculada;
- Cumprimento dos conteúdos curriculares previstos na Base Nacional Comum Curricular (BNCC);
- Manutenção pelos pais ou responsáveis legais, de registros de atividades pedagógicas e avaliações; e,
- Realização de avaliações anuais de aprendizagem.
Escolas e Instituições de Ensino credenciadas
O texto do PL prevê também que os pais ou responsáveis legais deverão registrar junto a uma escola ou instituição de ensino credenciada a opção pelo ensino domiciliar para os filhos.
Para se credenciarem nessa modalidade de ensino, as instituições de ensino devem também seguir algumas exigências, como:
- Manutenção do registro dos estudantes;
- Realização de atividades pedagógicas que promovam a formação integral do estudante;
- Realizar avaliações anuais de aprendizagem;
- Garantir a participação dos estudantes nos exames dos sistemas federais, estaduais e municipais de avaliação da educação básica;
- Destinar um tutor docente da instituição para o acompanhamento de cada estudante da modalidade de homeschooling; e,
- Realizar encontros semestrais com os pais ou responsáveis legais.
Vale ressaltar que, por mais que o Projeto de Lei já tenha sido aprovado pelo plenário da Câmara dos Deputados, ele vai de encontro com o entendimento do STF publicado em 2018, que considera inconstitucional a modalidade de homeschooling no Brasil.
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Qual o entendimento do STF sobre homeschooling?
O STF em setembro de 2018 apresentou através do Tema 822 seu entendimento sobre a constitucionalidade do homeschooling.
O entendimento considerou inconstitucional a educação domiciliar embasando-se, principalmente, em em 5 artigos da Constituição de 88, sendo eles:
- Art. 205 – A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
- Art. 206 – O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola.
- Art. 208 – O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I – educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria;
II – progressiva universalização do ensino médio gratuito;
(…)
- Art. 210 – Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.
- Art. 214 – A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam a:
I – erradicação do analfabetismo;
II – universalização do atendimento escolar;
III – melhoria da qualidade do ensino;
IV – formação para o trabalho;
V – promoção humanística, científica e tecnológica do País.
(…)
A análise concomitante destes artigos tornou possível identificar que os princípios regentes do homeschooling estão em desalinho com a Carta Magna de 88.
A educação básica, provida de maneira obrigatória pelo Estado, cumpre com uma série de objetivos para o indivíduo, como o desenvolvimento da pessoa, de sua cidadania e de sua qualificação para o mercado de trabalho.
Contudo, a educação fornecida pelo Estado também tem objetivos coletivos, como a promoção científica e tecnológica do país, a redução da desigualdade social, a promoção e o respeito da diversidade étno-cultural brasileira.
Sendo assim, a Suprema Corte entendeu que tais objetivos dificilmente podem ser alcançados sem a padronização e a possibilidade de fiscalização presente nas escolas.
E aí, gostou desse conteúdo sobre os desafios do homeschooling no país? Esperamos que sim! Agora, aproveite para conferir o nosso artigo sobre como se preparar para o concurso de Juiz Substituto!
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