Entenda a proteção estipulada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente!

estatuto da criança: grupo de crianças sentados e sorrindo
Saiba qual a origem, proteção e principais deveres contidos no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990). Confira!

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990) representa o marco de consolidação do Direito da Criança e do Adolescente no Brasil, em um processo iniciado com a Constituição Federal de 1988 (CF). 

Por meio desta lei, estas pessoas passam a ser tratadas como sujeitos de direitos, que possuem garantias e prerrogativas especiais, dada sua idade. Confira, neste artigo, alguns dos principais aspectos do Estatuto da Criança e do Adolescente!

Qual a origem do Estatuto da Criança e do Adolescente?

Conforme ensinam os professores Luciano Alves Rossato, Paulo Eduardo Lepore e Rogerio Sanches Cunha, a evolução do tratamento da criança e do adolescente, pelo mundo jurídico, pode ser resumida em quatro fases ou sistemas:

a) fase da absoluta indiferença, em que não existiam normas relacionadas a essas pessoas;

b) fase da mera imputação criminal, em que as leis tinham o único propósito de coibir a prática de ilícitos por aquelas pessoas (Ordenações Afonsinas e Filipinas, Código Criminal do Império de 1830, Código Penal de 1890); 

c) fase tutelar, conferindo-se ao mundo adulto poderes para promover a integração sociofamiliar da criança, com tutela reflexa de seus interesses pessoais (Código Mello Mattos de 1927 e Código de Menores de 1979); e 

d) fase da proteção integral, em que as leis reconhecem direitos e garantias às crianças, considerando-a como uma pessoa em desenvolvimento. É, pois, na quarta fase que se insere a Lei n. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990).

A proteção integral à criança e ao adolescente foi implementada no Brasil buscando elevar ao nível máximo de validade e eficácia as normas referentes às crianças e aos adolescentes.

Estas normas, por sua vez, foram inspiradas nas normas internacionais de direitos humanos, tais como a Declaração Universal de Direitos Humanos, a Declaração Universal dos Direitos da Criança e a Convenção sobre os Direitos da Criança.

É importante mencionar que a proteção à infância, em sentido amplo, é direito social amparado pelo art. 6.º da Constituição Federal.

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O que diz a Lei 8.069 de 1990?

A Lei 8.069, de 1990, também conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), tem como escopo a proteção jurídica, ampla e integral, da criança e do adolescente, em regulamentação e efetivação das disposições constitucionais voltadas a esse grupo.

O caput do art. 227 da CF afirma ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Além disso, os coloca a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, trabalho infantil, violência, crueldade e opressão.

Conforme os professores Rossato, Lepore e Cunha explicam, esta disposição “representa o metaprincípio da prioridade absoluta dos direitos da criança e do adolescente, tendo como destinatários da norma a família, a sociedade e o Estado.”

A lei pretende, portanto, que a família se responsabilize pela manutenção da integridade física e psíquica; a sociedade pela convivência coletiva harmônica; e o Estado pelo constante incentivo à criação de políticas públicas

“Essa competência difusa, que responsabiliza uma diversidade de agentes pela promoção da política de atendimento à criança e ao adolescente, tem por objetivo ampliar o próprio alcance da proteção dos direitos infantojuvenis”, destacam os professores. 

Neste sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe sobre diversos aspectos da tutela jurídica destes, incluindo:

  • Direitos Fundamentais (art. 7º a 69);
  • Prevenção de ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente (art. 70 a 128);
  • Medidas Pertinentes aos Pais ou Responsável (art. 129 a 130);
  • Conselho Tutelar (art. 131 a 140)
  • Acesso à Justiça (art. 141 a 224)
  • Crimes e Infrações Administrativas praticados contra a criança e o adolescente (art. 225 a 258).

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Quem o ECA protege?

O ECA protege, integralmente, crianças e adolescentes. Segundo o art. 2º da Lei 8.069/1990:

Art. 2.º “Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até 12 (doze) anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos de idade”.

No entanto, existe a possibilidade de extensão da tutela em alguns casos:

Art. 2º, Parágrafo único. “Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre 18 (dezoito) e 21 (vinte e um) anos de idade.

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Quais são os deveres dos pais para com os filhos?

Nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente, um dos principais pilares de proteção da criança é a família, em especial seus pais, que gozam de poder familiar para poder gerir corretamente os interesses dos menores.

E, nos termos do ECA:

Art. 22. “Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais”.

O descumprimento injustificado dos deveres parentais pode ocasionar a perda do poder familiar dos pais sobre a criança, mediante decretação judicial.

Segundo as disposições do art. 1.634 do CC/2002, compete aos pais, quanto ao exercício do poder familiar perante seus filhos crianças ou adolescentes:

  • dirigir-lhes a criação e educação; 
  • tê-los em sua companhia e guarda; 
  • conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; 
  • nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico (se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar); 
  • representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil; 
  • assisti-los, após essa idade (até 18 anos), nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; 
  • reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; 
  • e exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

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Como estudar o Estatuto da Criança e do Adolescente?

Para se aprofundar nos estudos desta legislação, muito relevante para concursos, para a prova da Ordem dos Advogados Brasil (OAB) e para a desenvoltura profissional de várias áreas da carreira jurídica. A seguir, indicamos algumas obras altamente especializadas. Confira!

O Curso de Direito da Criança e do Adolescente – 15ª Edição 2023, de Kátia Regina Ferreira, possui papel de destaque na interpretação, debate e aplicação da Lei n. 8.069/90, contemplando seus aspectos teóricos e práticos.

Por sua vez, a obra Estatuto da Criança e do Adolescente – 12ª Edição  contempla todas as novidades e alterações normativas trazidas ao Direito da Criança e do Adolescente. 

Os artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente são comentados em blocos temáticos, permitindo a compreensão de cada tema em sua integralidade. 

Proteção integral de crianças e adolescentes e a epigenética

O sistema de proteção integral, voltado a crianças e adolescentes, é alvo de debates apaixonados, seja para defender ou para criticar o amparo, por vezes considerado excessivo.

Pesquisas em teses jurídicas, na doutrina e na jurisprudência, parecem não ter o condão de satisfazer as indagações de uma sociedade cada vez mais sedenta de seus direitos. 

Talvez porque tais teses trazem conjuntos de argumentos em textos internamente coerentes, com posições favoráveis e desfavoráveis, ambas juridicamente justificadas.

Ao que parece, o problema reside na necessidade em se explicar os porquês desse sistema de proteção integral. Dizer que a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) determinam tamanha proteção podem justificar a constitucionalidade e a legalidade.

Mas, como fica a legitimidade? A seguir, preparamos um breve texto com um panorama dos Direitos da Criança e do Adolescente. Cabe destacar, que não há a intenção de convencer ninguém, pelo contrário, pretende-se despertar o senso crítico equilibrado e fundamentado acerca do tema. Confira!

O ser humano e sua adaptação ao meio

Desde que Charles Darwin apresentou sua célebre tese, denominada “A Origem das Espécies”, tornou-se evidente que todo ser vivo desenvolve mecanismos de sobrevivência frente ao meio em que vive.

Nessa esteira, pressões ambientais são um importante gatilho para que um ser desenvolva habilidades necessárias para sua sobrevivência ou pereça, sendo que aquele que se adapta ao novo meio sobrevive e gera descendência.

Se a espécie humana encontra-se viva e próspera, foi porque desenvolveu importante repertório adaptativo ao meio, cabendo destacar que nossa espécie é a única a sobreviver em todos os habitats do planeta.  

De toda forma, apesar de Darwin evidenciar a teoria da evolução, coube aos cientistas mais modernos explicar como isso funciona. O biologista britânico Conrad Waddington, nos anos 1950, propôs um dos mecanismos que conduzem a adaptação de um ser ao meio que o rodeia, tendo-o denominado de epigenética. 

Em síntese, a epigenética consiste, nas palavras de Waddington, em “eventos que conduzem ao desdobramento do programa genético para o desenvolvimento”. 

Ou seja, possuímos uma longa cadeia de DNA, porém, nem todos os genes nele inseridos encontram-se ativos. Um gene pode ser ativado ou desativado conforme os estímulos do meio em que o ser vive.

Evidências indicam que populações expostas à fome tendem a desenvolver melhores mecanismos de armazenamento de gordura e açúcares. E é nesse ponto em que o sistema de proteção integral de crianças e adolescentes pode encontrar fundamento de legitimidade. 

A importância dos relatos históricos 

A existência de um fundamento biológico pode dar maior legitimidade à norma jurídica. Porém, é necessário ter equilíbrio e sensatez, haja vista os tristes experimentos nazistas e comunistas baseados em cientificismos.

Relatos históricos também são importantes, até porque o desenvolvimento científico é recente e há um longo caminho de pesquisas a serem desenvolvidas. 

Em tempos romanos, experiências históricas auxiliavam a intuir relações de causa e efeito que, embora não explicadas em minúcias, evidenciavam qual a medida de prudência a ser adotada. Sobre esse assunto, há um relato terrível envolvendo a relação de dois imperadores romanos, Tibério e Calígula, tio e sobrinho. 

Quando imperador, Tibério possuía uma residência de verão em Capri, onde podia desenvolver práticas sádicas, até com crianças, longe dos olhos de grande parte dos romanos, que, apesar de lenientes com práticas hoje consideradas abomináveis, não tolerariam tamanhos excessos.

O escritor romano Suetônio descreveu que Tibério abusava sexualmente de crianças e jovens em Capri, os quais denominava de peixinhos, sendo que, quando se cansava ou se aborrecia com eles, atirava-os de um penhasco. 

Tibério, segundo relatos, abusou também de seu sobrinho, Calígula, o qual viria a ser um dos mais cruéis e sanguinários imperadores romanos. Calígula se desenvolveu em um ambiente cruel e sádico, tendo repetido tais comportamentos em sua fase adulta. 

Ambiente hostil como indutor da violência

Diversos relatos históricos descrevem situações como a de Calígula. Porém, atualmente, temos mecanismos que demonstram como isso funciona. Estudos epigenéticos demonstram como um ambiente hostil tem o condão de modular o funcionamento dos genes de uma pessoa. 

Segundo Adrian Raine, em sua obra A Anatomia da Violência: As Raízes Biológicas da Criminalidade, “a capacidade humana para o comportamento antissocial e violento não é uma ocorrência aleatória.”

Raine explica que nossa biologia se desenvolveu em um ambiente selvagem, o qual, apesar de ter propiciado nossa capacidade linguística e cooperativa, também exigia práticas violentas para garantir a sobrevivência.

Apenas com o surgimento de sociedades e famílias estáveis, com o recente advento da civilização, surgiu um ambiente pacífico o suficiente para que nossas capacidades intelectuais pudessem ser uma vantagem evolutiva superior à violência. 

Ocorre que, em perspectiva cronológica, a experiência civilizada é recentíssima na história da humanidade. Resultado: nossa biologia mantém genes que determinam comportamentos violentos, porém, esses só são ativados caso haja pressão ambiental suficiente.

A infância e a juventude como idades propícias à adaptação dos genes ao ambiente

Desde o nascimento, os seres, inclusive os humanos, procuram adaptar-se ao meio, conforme os estímulos aos quais são expostos. 

Não por acaso, o período mais intenso de aprendizagem acontece justamente na infância. Ocorre que, expor crianças e jovens a violência, maus-tratos e abandono, termina por provocar sua adaptação a um ambiente hostil. 

Na natureza, como se dá a adaptação a um ambiente hostil? Quem sobrevive nesse cenário? Somente aqueles que reagem com violência e brutalidade, ao ponto de afugentar ou matar quem os ameaça.

É a lei da selva, somente os mais fortes sobrevivem. Isso a epigenética explica. A exposição prolongada a hormônios estressores termina por provocar a metilação de determinados genes, o que pode ensejar o surgimento de determinados comportamentos violentos.

Se de um lado isso pode indicar a possibilidade de tratamentos para reverter essas metilações dos genes, cujos estudos podem levar décadas, séculos ou nunca ocorrer. 

Sob outro prisma, traz o alerta de que há a possibilidade de prevenir essa metilação dos genes ligados à violência, com a exposição de crianças e jovens a um ambiente amoroso, carinhoso e fraterno.

Por óbvio que o comportamento humano é extremamente intrincado, afinal, nosso cérebro é a estrutura mais complexa do universo. Entretanto, cabe a nós, como sociedade civilizada, propiciar os meios para que nossos jovens se desenvolvam mais como humanos e menos como selvagens.

Existiram, existem e existirão exemplos de pessoas com infância e juventude amorosas que rumaram para a violência e a criminalidade e vice-versa. Porém, isso pode ser resultado de falsas aparências ou, realmente, são verdadeiras exceções.

A linguagem e novos comportamentos como fatores inibidores da violência e da criminalidade

Com as evidências expostas, fica mais fácil compreender o porquê do sistema de proteção integral para crianças e adolescentes.

Se almejamos uma sociedade com adultos pacíficos, honestos e civilizados, temos que garantir um ambiente pacífico, honesto e civilizado para as crianças de hoje. E não é isso que nos diz a Constituição Federal em seu art. 227?

Art. 227: é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (nossos destaques)

E quem agir contra esses interesses fundamentais? A própria Constituição determina punição severa:

Art. 227, § 4º: a lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente. Não são apenas palavras, trata-se de uma linguagem programática a influir comportamentos voltados à proteção integral de crianças e adolescentes. Talvez o mais ambicioso projeto de compliance da humanidade. (nossos destaques)

Portanto, estudos epigenéticos vêm a confirmar noções históricas de que maltratar crianças e adolescentes termina por induzir comportamentos violentos e criminosos que perduram pela fase adulta. Um ponto a se destacar na epigenética é sua função de afastar o determinismo genético que tanto embasou teses racistas.

De outro lado, ela torna mais evidente a missão de uma geração para com a próxima, pois um dos caminhos para sociedades pacíficas e prósperas, passa pelo carinho, pela ternura e pelo amor para com as crianças.

Esperamos que você tenha gostado deste conteúdo sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Continue no blog e aproveite para conferir também o nosso guia completo sobre o Estatuto do Idoso!

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