No que consiste a teoria do adimplemento substancial?

Adimplemento substancial: pessoas assinando contrato
Ao longo deste artigo, abordaremos o conceito de adimplemento substancial, sua aplicabilidade e o entendimento do STJ sobre o tema!

Não prevista formalmente no Código Civil de 2002, mas consubstanciada nos princípios da boa-fé objetiva, da função social do contrato, da vedação ao abuso de direito e ao enriquecimento sem causa, a teoria do adimplemento substancial sustenta que não se deve considerar resolvida a obrigação quando a atividade do devedor, embora não tenha sido perfeita ou não atingido plenamente o fim proposto, aproxima-se consideravelmente do seu resultado final.

O adimplemento substancial tem sido aplicado, com frequência, nos contratos de seguro, e não permite a resolução do vínculo contratual se houver o cumprimento significativo da obrigação assumida.

Conforme as peculiaridades do caso, a teoria do adimplemento substancial atua como um instrumento de equidade diante da situação fático-jurídica, permitindo soluções razoáveis e sensatas.

Ao longo deste artigo, abordaremos o conceito de adimplemento substancial, sua aplicabilidade e o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o tema, conceitos essenciais para quem deseja prestar concurso. Não deixe de conferir! 

O que é o adimplemento substancial?

O princípio do adimplemento substancial determina que uma obrigação não deve ser considerada resolvida quando a atividade do devedor alcança um patamar próximo à concretização.

Segundo a lição de Gagliano:

“A teoria do adimplemento substancial sustenta que uma obrigação não deve ser resolvida se a atividade do devedor, posto não haja sido perfeita, aproximou-se consideravelmente (substancialmente) do resultado esperado.

Em outras palavras, se o descumprimento obrigacional for ínfimo ou insignificante, não se deve extinguir o contrato.” (GAGLIANO, 2022, p.293)

Leia também: Contrato Preliminar: quando e por que fazer?

banner concurso escrevente TJ SP: clique para acessar!

O que diz o art. 475 do Código Civil?

O art. 475 do Código Civil prevê que a parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.

Dessa forma, podemos perceber que enquanto o art. 475 prescreve o direito de resolução por parte do credor, em caso de inadimplemento, a doutrina e a jurisprudência limitam sua utilização, por meio do princípio do adimplemento substancial.

Assim, o direito de resolução do contrato não pode ser utilizado indiscriminadamente frente a qualquer inadimplemento, uma vez que deve observar os princípios gerais do Direito Civil. Destacadamente, a função social do contrato e a boa-fé objetiva.

Diante da falta de ínfima parte do pagamento, o credor não poderia exigir a resolução contratual, mas a regularização em juízo dos pagamentos, acrescidos de perdas e danos.

Quais os princípios da teoria do adimplemento substancial?

O princípio do adimplemento substancial é derivado da interpretação dos princípios da boa-fé objetiva, função social do contrato e vedação ao abuso de direito e ao enriquecimento sem causa.

Conforme definido pelo enunciado 361 da IV Jornada de Direito Civil:

O adimplemento substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de modo a fazer preponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva, balizando a aplicação do art. 475.

O princípio da boa-fé objetiva exige que as partes de um contrato observem regras de comportamento, agindo com lisura, honestidade e correção. Isso se faz necessário para que as partes não frustrem a legítima confiança.

Por sua vez, a função social do contrato relaciona-se com a função social da propriedade (art. 5º, XXIII, da Constituição Federal). Entende-se que as relações contratuais devem respeitar e proteger direitos fundamentais, como a dignidade da pessoa humana. Conforme reza o art. 2.035 do Código Civil:

Art. 2.035 A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução.

Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.

No mesmo sentido, o caput do art. 421 do Código Civil:

Art. 421.  A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.

Já a vedação ao abuso de direito determina que mesmo os direitos devem ser exercidos dentro dos parâmetros estabelecidos pelo ordenamento jurídico. Assim, se há desrespeito às formas delimitadas pelo direito, teremos o abuso de direito. Conforme dita o art. 187 do Código Civil:

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Finalmente, o enriquecimento sem causa é tratado no art. 884 do Código Civil. Observe:

Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.

Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido.

Leia também: Guia do Direito Constitucional: aprenda a desvendar o sistema jurídico brasileiro

Quando ocorre o adimplemento substancial?

Como o adimplemento substancial não possui previsão legal, sendo uma construção doutrinária e jurisprudencial, há relevante divergência acerca da configuração do instituto nas relações contratuais. Isso ocorre também porque a verificação da importância do inadimplemento será estritamente relacionada ao caso concreto.

Conforme o magistério de Eduardo Luiz Bussata:

“A indagação quanto à extensão, à intensidade e às demais características do inadimplemento é que conduz à sua adjetivação como sendo ou não de ‘escassa importância’. É o que se buscará neste momento.

Contudo, antes disso, é necessário fazer uma advertência: a verificação da importância ou não importância do inadimplemento há de ser feita diante do caso concreto, ou seja, diante da situação de fato ocorrida, ponderando os interesses em jogo, a conduta das partes e de todas as demais circunstâncias que no caso se mostrarem relevantes. ” (BUSSATA, 2008. p. 106)

Nos livros de direito civil são elencados os critérios quantitativo e qualitativo para aplicação da teoria do adimplemento substancial. Entenda a seguir os requisitos de cada critério segundo a doutrina:

Critério Quantitativo

Conforme o critério quantitativo, o inadimplemento deve ser insignificante frente à integralidade do contrato. Isto é, a falta no pagamento não possui o condão de frustrar os efeitos esperados pelo acordo entre as partes.

No julgamento do REsp 1.581.505/SC, o relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, elencou alguns dos critérios utilizados no âmbito do Tribunal da Cidadania para definição de quanto seria o adimplemento substancial. São eles:

  • Atraso na última parcela: REsp. 76.362/MT.
  • Inadimplemento de 2 parcelas: REsp. 912.697/GO.
  • Inadimplemento de valores correspondentes a 20% do valor total do bem: REsp. 469.577/SC.
  • Inadimplemento de 10% do valor total do bem: AgRg no AgREsp 155.885/MS.
  • Inadimplemento de 5 parcelas de um total de 36, correspondendo a 14% do total devido: Resp. 1.051.270/RS.

Critério Qualitativo

Além do critério quantitativo, é utilizado o critério qualitativo. Firmemente embasado no entendimento de que cada caso apresenta a sua peculiaridade que confirmará a relevância do adimplemento parcial.

No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, foram definidos alguns elementos que devem compor a análise do adimplemento substancial. São eles:

  • A existência de expectativas legítimas geradas pelo comportamento das partes (exemplo disso está no recebimento reiterado de parcelas em atraso no contrato de seguro e a posterior mudança de atitude quando do último pagamento, o que quebraria essas expectativas legítimas e levaria a um comportamento contraditório;
  • O pagamento faltante há de ser ínfimo em se considerando o total do negócio (correlação é que permite formular um juízo sobre o caráter substancial do adimplemento realizado);
  • Deve ser possível a conservação da eficácia do negócio sem prejuízo ao direito do credor de pleitear a quantia devida pelos meios ordinários. (REsp 76.362/MT).

Leia também: Guia Oficial dos Concursos Abertos 2023!

 Quais são as formas de adimplemento?

Adimplemento é a execução espontânea que põe fim à relação contratual. Em regra, a prestação será quitada exatamente como ajustada, tanto com relação ao objeto quanto às formas determinadas.

Do outro lado, o inadimplemento pode ser absoluto ou relativo. O inadimplemento relativo ocorre quando o atraso não compromete sobremaneira o objeto do contrato, de forma que o adimplemento, mesmo atrasado, ainda será útil ao credor.

Por sua vez, o inadimplemento absoluto resulta na impossibilidade ou inconveniência de cumprimento posterior do contrato.

As diferentes formas de inadimplemento geram diferentes efeitos jurídicos. Isto é, no inadimplemento absoluto somente caberá a responsabilização patrimonial cumulada com a resolução contratual.

No caso do inadimplemento relativo, será possível a purgação da mora com acréscimo de juros, correção monetária, além da implicação financeira. Caso não seja solucionada, será cabível a extinção contratual. Possibilidade que é limitada pelo adimplemento substancial.

Leia também: Conheça as tendências para o curso e profissões do futuro do Direito

Qual a função da doutrina do adimplemento substancial?

O adimplemento substancial cumpre a função de restringir os efeitos da faculdade de resolução de um contrato pelo credor, em caso de inadimplemento do devedor, levando em consideração que não seria razoável, em determinadas circunstâncias.

Com isso, evita-se que haja enriquecimento ilícito de uma das partes em detrimento da outra. É uma forma de se obter a justiça contratual e preservar as relações.

Leia também: Tudo sobre o Vade Mecum: Como utilizar e quais são os melhores?

O que a jurisprudência do STJ dispõe sobre o cabimento da adimplência substancial?

É preciso estar sempre atento para as mudanças no Direito! Afinal, conhecer os entendimentos atuais pode ser decisivo em questões de concursos públicos. 

A seguir, confira a jurisprudência do STJ sobre a aplicação do adimplemento substancial. 

O primeiro acórdão do STJ que abordou o tema do adimplemento substancial data de 11 de dezembro de 1995, o Resp n. 76.362/MT de relatoria do ministro Ruy Rosado. Ementado nos seguintes termos:

“SEGURO. INADIMPLEMENTO DA SEGURADA. FALTA DE PAGAMENTO DA ULTIMA PRESTAÇÃO. ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL. RESOLUÇÃO. A COMPANHIA SEGURADORA NÃO PODE DAR POR EXTINTO O CONTRATO DE SEGURO, POR FALTA DE PAGAMENTO DA ÚLTIMA PRESTAÇÃO DO PRÊMIO, POR TRÊS RAZÕES: A) SEMPRE RECEBEU AS PRESTAÇÕES COM ATRASO, O QUE ESTAVA, ALIÁS, PREVISTO NO CONTRATO, SENDO INADMISSÍVEL QUE APENAS REJEITE A PRESTAÇÃO QUANDO OCORRA O SINISTRO; B) A SEGURADA CUMPRIU SUBSTANCIALMENTE COM A SUA OBRIGAÇÃO, NÃO SENDO A SUA FALTA SUFICIENTE PARA EXTINGUIR O CONTRATO; C) A RESOLUÇÃO DO CONTRATO DEVE SER REQUERIDA EM JUÍZO, QUANDO SERA POSSÍVEL AVALIAR A IMPORTÂNCIA DO INADIMPLEMENTO, SUFICIENTE PARA A EXTINÇÃO DO NEGOCIO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.” (REsp 76.362/MT, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 11/12/1995, DJ 01/04/1996, p. 9917)

Como já mencionado, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem estipulado importantes critérios sobre o cabimento da teoria do adimplemento substancial nos casos concretos:

“DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RESCISÃO CONTRATUAL. REINTEGRAÇÃO NA POSSE. INDENIZAÇÃO. CUMPRIMENTO PARCIAL DO CONTRATO. INADIMPLEMENTO. RELEVÂNCIA. TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL. INAPLICABILIDADE NA ESPÉCIE. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. O uso do instituto da substantial performance não pode ser estimulado a ponto de inverter a ordem lógico-jurídica que assenta o integral e regular cumprimento do contrato como meio esperado de extinção das obrigações.

2. Ressalvada a hipótese de evidente relevância do descumprimento contratual, o julgamento sobre a aplicação da chamada ‘Teoria do Adimplemento Substancial’ não se prende ao exclusivo exame do critério quantitativo, devendo ser considerados outros elementos que envolvem a contratação, em exame qualitativo que, ademais, não pode descurar dos interesses do credor, sob pena de afetar o equilíbrio contratual e inviabilizar a manutenção do negócio.

3. A aplicação da Teoria do Adimplemento Substancial exigiria, para a hipótese, o preenchimento dos seguintes requisitos: a) a existência de expectativas legítimas geradas pelo comportamento das partes; b) o pagamento faltante há de ser ínfimo em se considerando o total do negócio; c) deve ser possível a conservação da eficácia do negócio sem prejuízo ao direito do credor de pleitear a quantia devida pelos meios ordinários (critérios adotados no REsp 76.362/MT, Quarta Turma, j. em 11/12/1995, DJ 01/04/1996, p. 9917).

4. No caso concreto, é incontroverso que a devedora inadimpliu com parcela relevante da contratação, o que inviabiliza a aplicação da referida doutrina, independentemente da análise dos demais elementos contratuais.

5. Recurso especial não provido” (REsp 1.581.505/SC, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 18-8-2016, DJe 28-9-2016)

Adimplemento substancial e Alienação Fiduciária

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça também limitou a aplicação do instituto nos casos de alienações fiduciárias. É o entendimento: 

“RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE VEÍCULO, COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA REGIDO PELO DECRETO-LEI 911/69. INCONTROVERSO INADIMPLEMENTO DAS QUATRO ÚLTIMAS PARCELAS (DE UM TOTAL DE 48). EXTINÇÃO DA AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO (OU DETERMINAÇÃO PARA ADITAMENTO DA INICIAL, PARA TRANSMUDÁ-LA EM AÇÃO EXECUTIVA OU DE COBRANÇA), A PRETEXTO DA APLICAÇÃO DA TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL. DESCABIMENTO.ABSOLUTA INCOMPATIBILIDADE DA CITADA TEORIA COM OS TERMOS DA LEI ESPECIAL DE REGÊNCIA. RECONHECIMENTO. 2. REMANCIPAÇÃO DO BEM AO DEVEDOR CONDICIONADA AO PAGAMENTO DA INTEGRALIDADE DA DÍVIDA, ASSIM COMPREENDIDA COMO OS DÉBITOS VENCIDOS, VINCENDOS E ENCARGOS APRESENTADOS PELO CREDOR, CONFORME ENTENDIMENTO CONSOLIDADO DA SEGUNDA SEÇÃO, SOB O RITO DOS RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS (REsp n. 1.418.593/MS). 3. INTERESSE DE AGIR EVIDENCIADO, COM A UTILIZAÇÃO DA VIA JUDICIAL ELEITA PELA LEI DE REGÊNCIA COMO SENDO A MAIS IDÔNEA E EFICAZ PARA O PROPÓSITO DE COMPELIR O DEVEDOR A CUMPRIR COM A SUA OBRIGAÇÃO (AGORA, POR ELE REPUTADA ÍNFIMA), SOB PENA DE CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE NAS MÃOS DO CREDOR FIDUCIÁRIO. 4. DESVIRTUAMENTO DA TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL, CONSIDERADA A SUA FINALIDADE E A BOA-FÉ DOS CONTRATANTES, A ENSEJAR O ENFRAQUECIMENTO DO INSTITUTO DA GARANTIA FIDUCIÁRIA. VERIFICAÇÃO. 5. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. A incidência subsidiária do Código Civil, notadamente as normas gerais, em relação à propriedade/titularidade fiduciária sobre bens que não sejam móveis infugíveis, regulada por leis especiais, é excepcional, somente se afigurando possível no caso em que o regramento específico apresentar lacunas e a solução ofertada pela ‘lei geral’ não se contrapuser às especificidades do instituto regulado pela lei especial (ut Art. 1.368-A, introduzido pela Lei n. 10.931/2004).

1.1 Além de o Decreto-Lei n. 911/1969 não tecer qualquer restrição à utilização da ação de busca e apreensão em razão da extensão da mora ou da proporção do inadimplemento, é expresso em exigir a quitação integral do débito como condição imprescindível para que o bem alienado fiduciariamente seja remancipado.

Em seus termos, para que o bem possa ser restituído ao devedor, devedor, livre de ônus, não basta que ele quite quase toda a dívida; é insuficiente que pague substancialmente o débito; é necessário, para esse efeito, que quite integralmente a dívida pendente.

2. Afigura-se, pois, de todo incongruente inviabilizar a utilização da ação de busca e apreensão na hipótese em que o inadimplemento revela-se incontroverso desimportando sua extensão, se de pouca monta ou se de expressão considerável, quando a lei especial de regência expressamente condiciona a possibilidade de o bem ficar com o devedor fiduciário ao pagamento da integralidade da dívida pendente.

Compreensão diversa desborda, a um só tempo, do diploma legal exclusivamente aplicável à questão em análise (Decreto-Lei n. 911/1969), e, por via transversa, da própria orientação firmada pela Segunda Seção, por ocasião do julgamento do citado REsp n. 1.418.593/MS, representativo da controvérsia, segundo a qual a restituição do bem ao devedor fiduciante é condicionada ao pagamento, no prazo de cinco dias contados da execução da liminar de busca e apreensão, da integralidade da dívida pendente, assim compreendida como as parcelas vencidas e não pagas, as parcelas vincendas e os encargos, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial.

3. Impor-se ao credor a preterição da ação de busca e apreensão (prevista em lei, segundo a garantia fiduciária a ele conferida) por outra via judicial, evidentemente menos eficaz, denota absoluto descompasso com o sistema processual. Inadequado, pois, extinguir ou obstar a medida de busca e apreensão corretamente ajuizada, para que o credor, sem poder se valer de garantia fiduciária dada (a qual, diante do inadimplemento, conferia-lhe, na verdade, a condição de proprietário do bem), intente ação executiva ou de cobrança, para só então adentrar no patrimônio do devedor, por meio de constrição judicial que poderá, quem sabe (respeitada o ordem legal), recair sobre esse mesmo bem (naturalmente, se o devedor, até lá, não tiver dele se desfeito).

4. A teoria do adimplemento substancial tem por objetivo precípuo impedir que o credor resolva a relação contratual obrigação. A via judicial para esse fim é a ação de resolução contratual. Diversamente, o credor fiduciário, quando promove ação de busca e apreensão, de modo algum pretende extinguir a relação contratual.

Vale-se da ação de busca e apreensão com o propósito imediato de dar cumprimento aos termos do contrato, na medida em que se utiliza da garantia fiduciária ajustada para compelir o devedor fiduciante a dar cumprimento às obrigações faltantes, assumidas contratualmente (e agora, por ele, reputadas ínfimas).

A consolidação da propriedade fiduciária nas mãos do credor apresenta-se como consequência da renitência do devedor fiduciante de honrar seu dever contratual, e não como objetivo imediato da ação. E, note-se que, mesmo nesse caso, a extinção do contrato dá-se pelo cumprimento da obrigação, ainda que de modo compulsório, por meio da garantia fiduciária ajustada.

4.1 É questionável, se não inadequado, supor que a boa-fé contratual estaria ao lado de devedor fiduciante que deixa de pagar uma ou até algumas parcelas por ele reputadas ínfimas mas certamente de expressão considerável, na ótica do credor, que já cumpriu integralmente a sua obrigação, e, instado extra e judicialmente para honrar o seu dever contratual, deixa de fazê-lo, a despeito de ter a mais absoluta ciência dos gravosos consectários legais advindos da propriedade fiduciária.

A aplicação da teoria do adimplemento substancial, para obstar a utilização da ação de busca e apreensão, nesse contexto, é um incentivo ao inadimplemento das últimas parcelas contratuais, com o nítido propósito de desestimular o credor − numa avaliação de custo-benefício − de satisfazer seu crédito por outras vias judiciais, menos eficazes, o que, a toda evidência, aparta-se da boa-fé contratual propugnada.

4.2. A propriedade fiduciária, concebida pelo legislador justamente para conferir segurança jurídica às concessões de crédito, essencial ao desenvolvimento da economia nacional, resta comprometida pela aplicação deturpada da teoria do adimplemento substancial.

5. Recurso Especial provido” (REsp 1.622.555/MG, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. p/ acórdão Min. Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, julgado em 22-2-2017, DJe 16-3-2017) (grifamos).

Todavia, o entendimento oposto já foi defendido pelo Superior Tribunal de Justiça: Neste sentido, STJ/REsp 272739 / MG:

Ementa. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. Busca e apreensão. Falta da última prestação. Adimplemento substancial. O cumprimento do contrato de financiamento, com a falta apenas da última prestação, não autoriza o credor a lançar mão da ação de busca e apreensão, em lugar da cobrança da parcela faltante.

O adimplemento substancial do contrato pelo devedor não autoriza ao credor a propositura de ação para a extinção do contrato, salvo se demonstrada a perda do interesse na continuidade da execução, que não é o caso.

Na espécie, ainda houve a consignação judicial do valor da última parcela. Não atende à exigência da boa-fé objetiva a atitude do credor que desconhece esses fatos e promove a busca e apreensão, com pedido liminar de reintegração de posse. Recurso não conhecido.

Adimplemento substancial e Direito de Família

Finalmente, também tem sido delimitado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que a teoria do adimplemento substancial não se aplica no Direito de Família ao débito alimentar, tendo em vista o caráter peculiar de tais recursos.

HABEAS CORPUS. DIREITO DE FAMÍLIA. TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL. NÃO INCIDÊNCIA. DÉBITO ALIMENTAR INCONTROVERSO. SÚMULA N. 309/STJ. PRISÃO CIVIL. LEGITIMIDADE. PAGAMENTO PARCIAL DA DÍVIDA. REVOGAÇÃO DO DECRETO PRISIONAL. NÃO CABIMENTO. IRRELEVÂNCIA DO DÉBITO. EXAME NA VIA ESTREITA DO WRIT. IMPOSSIBILIDADE.

1. A Teoria do Adimplemento Substancial, de aplicação estrita no âmbito do direito contratual, somente nas hipóteses em que a parcela inadimplida revela-se de escassa importância, não tem incidência nos vínculos jurídicos familiares, revelando-se inadequada para solver controvérsias relacionadas a obrigações de natureza alimentar.

2. O pagamento parcial da obrigação alimentar não afasta a possibilidade da prisão civil. Precedentes.

3. O sistema jurídico tem mecanismos por meio dos quais o devedor pode justificar o eventual inadimplemento parcial da obrigação (CPC/2015, art. 528) e, outrossim, pleitear a revisão do valor da prestação alimentar (L. 5.478/1968, art. 15; CC/2002, art. 1.699).

4. A ação de Habeas Corpus não é a seara adequada para aferir a relevância do débito alimentar parcialmente adimplido, o que só pode ser realizado a partir de uma profunda incursão em elementos de prova, ou ainda demandando dilação probatória, procedimentos incompatíveis com a via estreita do remédio constitucional.

5. Ordem denegada” (HC 439.973/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. P/ Acórdão Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 16-8-2018, DJe 4-9-2018) (grifamos).

Gostou de aprender sobre o princípio do adimplemento substancial? Para mais conteúdos como este, continue acompanhando o nosso blog! Agora, que tal conferir o nosso artigo com 18 dicas de estudo para melhorar seu rendimento na prática?

Artigos Relacionados

Navegue por categoria